Como assim quibe de arroz?
12 Pratos da culinária brasileira que podem causar estranheza
Quando se fala de comida, todo mundo tem a sua preferida. Muitas vezes, o prato preferido está relacionado com a infância, a família ou a cidade natal. Acontece que algumas cidades ou regiões têm uma culinária tão característica que possivelmente não encontramos em nenhum outro lugar.
E, na maioria das vezes, esses pratos são carregados de uma história e uma cultura própria daqueles moradores, de forma que só mesmo quem mora no local compreende o sabor e o modo correto de consumi-lo. No entanto, também não é incomum que as pessoas de outros lugares, à primeira vista, achem o prato peculiar por levarem ingredientes atípicos para o resto do mundo ou serem feitos de uma forma bastante singular.
Pensando nisso, o Incrível.club fez um giro pelo Brasil para mostrar os pratos das cidades de norte a sul que os turistas podem considerar realmente curiosos. No final, um bônus aguarda por você!
Quibe de Arroz (AC — Brasil)
Há quem duvide que o Acre realmente exista, mas será que essas pessoas um dia terão a oportunidade de provar o quibe de arroz? O quitute acreano é inspirado em outro quibe, o do Oriente Médio, porém é feito com arroz, macaxeira e trigo, em vez do tradicional triguilho. Já o recheio é o mesmo: carne bovina moída temperada com ervas. Ainda seguindo o quibe tradicional, o acreano é modelado da mesma forma que o árabe, e frito por imersão em óleo.
Mas por que fazer um quibe com arroz e macaxeira (que é outro nome para a mandioca ou o aipim) no lugar do triguilho? Por um motivo bem simples: muitas pessoas foram influenciadas pelos pratos orientais quando os primeiro imigrantes chegaram no Acre, mas não tinham dinheiro para comprar os ingredientes. Depois de testar várias substituições, viram que a melhor delas era o arroz. Existe outra substituição feita num prato árabe, o charuto: os acreanos trocaram a folha de uva por repolho ou couve.
Caldo de Turu da Ilha de Marajó (PA — Brasil)
O caldo (ou sopa) de turu não tem nada a ver com a música da dupla Sandy & Junior, mas sim com um alimento típico dos indígenas nativo americanos. O turu é um molusco parecido com uma minhoca, sim, uma minhoca, e tem outros nomes: teredo, gusano, busano ou cupim-do-mar. E ele age mesmo como um cupim, já que se alimenta da madeira de árvores que caem e apodrecem nos manguezais. Os indígenas apreciavam se alimentar desses animais, costume passado aos paraenses.
Hoje os turus entram como ingrediente principal desta que é uma das principais iguarias do Pará. Se você se desencorajou de prová-la, pense outra vez: alguns que experimentaram afirmam que é delicioso. Melhor que ostra e escargot. O caldo leva alho, cebola, tomate, pimentões, limão e ervas. Mas ele também pode ser apreciado cru, com sal e limão. E aí, você provaria?
Buchada de Bode (Nordeste do Brasil)
Para os moradores do Nordeste do Brasil é apenas buchada, um prato bem típico e apreciado pelos nordestinos. Ele consiste em tripas e outras partes do estômago de bode, que são bem lavadas e fervidas, depois picadas e temperadas. Essas partes são colocadas dentro de uma bolsa feita com o próprio estômago do animal e cozidas todas juntas. Há também versões com as vísceras de boi ou de carneiro.
Tradicionalmente não se usam rins, pulmões, baço e fígado, já que esses ingredientes compõem o sarapatel. Mas muitos cozinham o prato sem tanto rigor, para aumentar a variedade, o sabor e o aproveitamento. A técnica de cozimento dos miúdos dentro do estômago do animal foi aprendida com os portugueses e muito bem adaptada pelos nordestinos.
Arroz-de-cuxá (MA — Brasil)
No Maranhão, o preparo do arroz-de-cuxá tem influências indígenas, portuguesas e africanas. A palavra cuxá, em tupi, significa “o que conserva azedo”. O nome é justo, já que denomina um molho que leva vinagreira, gergelim, camarão seco, farinha de mandioca e pimenta-de-cheiro. Sentiu o azedo na boca? Tudo isso é cozido e socado num pilão, formando o tradicional molho maranhense.
Depois do molho pronto, é só cozinhar o arroz normalmente e servir com o cuxá. Atualmente algumas pessoas acrescentam outros ingredientes à mistura, como pimentão e cebola. Ou seja, nada que diminua o azedo. Mesmo assim, vale a pena saborear esse prato, que é rico em carboidratos, lipídios, ferro e cálcio.
Caruru (BA — Brasil)
Quem olha para um prato de caruru pela primeira vez pode não sentir muita vontade de comê-lo. O prato veio da África e foi rapidamente incorporado à culinária baiana, com algumas adaptações. Na Bahia, que tem a maior concentração de afrodescendentes do Brasil, o caruru faz parte do dia-a-dia. Os ingredientes principais são o quiabo e o camarão seco, mas a receita também leva muito azeite de dendê, pimenta malagueta, cebola, limão, gengibre e outros.
Curiosamente, os indígenas nativos do Brasil tinham uma comida parecido com o caruru, porém feito com folhas como a taioba. Até o nome era parecido: a africana se chamava kalalu e a indígena, caá-riru, que significa “erva de comer”. Por um tempo, o caruru brasileiro foi um refogado de ervas, mas com o tempo assumiu mais características africanas que indígenas. Hoje, é servido para acompanhar o acarajé ou com pedaços de carne.
Arroz com Pequi (GO — Brasil)
Arroz com pequi é apenas um dos pratos feitos com esse fruto maravilhosamente controverso que é o pequi, também chamado de piqui, piquiá, pequiá ou “é pra acabá com os piqui de Goiás”. Adorado por uns e odiado por outros, o fruto demanda uma dose de cuidado para ser saboreado, já que o seu caroço tem espinhos que podem causar ferimentos sérios na boca de quem o morde.
Mas, felizmente, pouca gente morde “os piqui de Goiás”. Ele é mais utilizado cozido junto de arroz, frango, quiabo, conserva e até pra fazer bolo e petit gateau. Dele também é extraído o azeite de pequi. É característico do cerrado e encontrado em todo o centro-oeste, além de protagonizar uma disputa de memes entre Goiás e Minas Gerais. Mas, sem querer botar “lenha na fogueira”, é o Tocantins que tem uma cidade chamada Pequizeiro e um festival em homenagem ao fruto.
Empada Frita de Salto (SP — Brasil)
A empada é uma grande conhecida das padarias e cafés de todo o Brasil, mas não a frita. A história desse quitute remete à década de 1940, quando as donas de casa abasteciam bares, lanchonetes e barracas de eventos da cidade de Salto. A tradição firmou-se na cidade a ponto de ser decretada patrimônio culinário cultural em 2007. Em 2019, a empada frita de Salto foi eleita uma das melhores comidas regionais de São Paulo, na Feira Gastronômica “Feito em SP”.
Bateu a curiosidade? Pois saiba que a empada frita é única porque é feita com uma massa parecida com a do pastel e no formato da empada assada. Os recheios mais tradicionais são frango e palmito, mas não há limites para a criatividade quando se trata de brasileiros: hoje existem recheios de carne seca, camarão, maçã com canela e até sorvete! Ficou com vontade? A Estância Turística de Salto fica no interior de São Paulo, próxima a Campinas e Indaiatuba, e coladinha a Itu. E possivelmente é só lá que tem!
Bolinho de Frango de Itapetininga (SP — Brasil)
O bolinho de frango é outra iguaria típica do interior de São Paulo, dessa vez a cidade de Itapetininga. A massa é feita com farinha de milho e o recheio de frango cozido desfiado e temperado. Existem versões do bolinho com batatas cozidas ou polvilho acrescentados à massa, e também com frango caipira como recheio. Em Itapetininga e região, o bolinho de frango pode ser saboreado em lanchonetes, bares, padarias, pastelarias e quermesses.
As histórias que contam sobre a origem do bolinho divergem, sendo que alguns dizem que ele foi criado em São Miguel Paulista e posteriormente levado a Itapetininga. De qualquer forma, o bolinho já enche a barriga dos itapetininganos há mais de cem anos, tendo sido declarado Patrimônio Cultural de Itapetininga em 2005. Na verdade, não importa quem criou a receita, mas sim a identidade caipira do bolinho, que representa muito bem a cultura do interior de São Paulo.
Farofa de Içá do Vale do Paraíba (SP — Brasil)
E, falando do interior de São Paulo, trazemos um dos pratos que mais podem fazer os turistas torcerem o nariz. A farofa de içá é feita com a parte inferior do abdome da tanajura, e a tanajura é a fêmea da formiga saúva. Isso mesmo, é uma farofa de formigas. Essa espécie de formiga fazia parte do cardápio dos indígenas e é muito bem aproveitada até hoje. O preparo é simples. Além das formiguinhas e da farinha de mandioca, leva sal, salsinha e óleo ou banha de porco pra fritar.
Ok, algumas pessoas já tiveram seus pés picados por formigas ou viram os bichinhos em animações da Disney e até nos Vingadores. Que tal dar uma chance e colocá-las no seu prato? Monteiro Lobato e Maurício de Sousa já declararam ter comido e gostado e, se são apreciadas até hoje, deve ser porque são gostosas, certo? Se você tiver coragem, pode encontrar as içás para comprar.
Chuvisco de Campos dos Goytacazes (RJ — Brasil)
A cidade de Campos dos Goytacazes também não fica atrás em termos de orgulhos culinários. Por lá, o doce Chuvisco foi tombado como Patrimônio Cultural e Imaterial em 2011, elevando o quitute à categoria de “doce fino”. Hoje ele é feito tanto em larga escala pela indústria alimentícia quanto em pequenas docerias da cidade. São vendidos em compotas, mergulhados em calda de açúcar.
O Chuvisco tem origem em Portugal, como tantos doces brasileiros feitos à base de ovos. Em Campos, ficou famoso pelas mãos de Nilze Teixeira de Vasconcellos, que encantou personalidades brasileiras quando eles visitaram a cidade. Alerta de gatilho pra quem é “doçólatra”: o chuvisco é feito com gemas de ovos batidas e pingadas com uma colherinha para fritar na calda de açúcar. Assim, eles ficam com forma de gota, o que justifica o nome.
Torta Capixaba (ES — Brasil)
A torta capixaba é um orgulho culinário dos canelas-verdes de Vila Velha e todos os outros moradores do Espírito Santo. Não é pra menos, já que o prato chegou ao Brasil há mais de 400 anos, com influências de Portugal, da África e dos próprios indígenas nativos. Hoje é tradicional da Semana Santa, não só dos capixabas, mas de qualquer brasileiro que aprecie um bom prato de frutos do mar.
A torta capixaba tem cara de prato pra comer em família. Ela leva peixe — tradicionalmente o bacalhau — palmito e frutos do mar, como o camarão, o siri desfiado e o sururu. Se você quiser seguir a tradição, deve fazer em uma panela de barro — aproveite, pois é uma receita de uma panela só. Refogue tudo na panela de barro e cubra com ovos batidos e uma rodela de cebola, depois leve ao forno. Mas, se não tiver uma panela, pode assar em uma assadeira ou refratário, apostamos que fica gostosa também.
X-Coração de Porto Alegre (RS — Brasil)
Aqueles lanches que o Brasil conhece como misto-quente, cachorro-quente, hambúrguer, entre outros, é conhecido pelos gaúchos como “xis”, que eles consideram uma verdadeira grandiosidade. A diferença do tradicional “xis” para os outros sandubas é que ele é bem maior, tem o diâmetro de um pão sírio, e é muito mais recheado. Outro destaque está em seus ingredientes, pois ele pode ser curiosamente recheado com costela, linguiça toscana, filé ao molho de vinho, cordeiro ou coração de galinha. Esse seria o famoso X-Coração de Galinha.
Sim, senhoras e senhores. O carro-chefe das lanchonetes dos pampas é um sanduíche recheado com cerca de 180 gramas de coração de galinha. Esse miúdo do frango está presente em muitas churrasqueiras brasileiras, mas ainda divide opiniões, exceto possivelmente no Rio Grande do Sul. Além do pão e do coração picadinho, o lanche leva maionese, milho, ervilha, alface e tomate, e é tostado na chapa dos dois lados, garantindo a crocância do pão. Deu água na boca ou não?
Bônus: Pão de Cará (sem cará) de Santos (SP — Brasil)
O bônus dessa lista fica por conta de uma deliciosa “mentira” que vem da cidade de Santos, no litoral paulista. O pão de cará que não tem cará em seus ingredientes. O cará é um tubérculo, assim como a mandioca, e é muito parecido com o inhame. Acontece que os famosos pãezinhos de cará de Santos têm na receita farinha, açúcar, margarina, fermento, água, componentes emulsificantes, melhoradores e uma pincelada de ovos para dourar. Nada de cará.
Os padeiros da Baixada Santista contam que o cará deixou de ser usado há cerca de 30 anos, dando lugar ao pãozinho mais tradicional e prático de se fazer. Sem, no entanto, mudar de nome. Já a Professora Maria de Fátima Duarte Gonçalves, coordenadora do curso de Gastronomia da São Judas, afirma que, segundo suas pesquisas, não existe registro do uso de cará nos pães de Santos. Ou seja, o pão de cará de Santos não tem e, ao que tudo indica, nunca teve cará. Só no nome mesmo.
A dúvida que ficou é se você chegou até aqui com fome ou se a perdeu em algum lugar no meio da lista. Ainda assim, conte para nós qual desses pratos você não vê a hora de provar e qual você prefere passar longe! E na sua cidade, tem alguma comida peculiar?
Comentários
Gente tem cada comida ai que eu não teria coragem de comer.
Buchada ❤