A história de um homem que durante muitos anos esteve preso em seu próprio corpo

Psicologia
há 4 anos

Em 1988, Martin Pistorius, um saudável rapaz de 12 anos, inesperadamente começou a ter problemas de saúde até que caiu em uma situação de mínima consciência. Os médicos disseram que ele se encontrava em um estado vegetativo e não havia maneira de ajudá-lo. Todos ao seu redor pensaram que Martin não escutava e não entendia nada. Mas eles estavam errados. O rapaz não podia controlar o próprio corpo e nem podia dar algum sinal para as pessoas que estavam ao seu lado. Tudo mudou quando, 13 anos depois, ele passou a ser cuidado por uma enfermeira chamada Virna.

O Incrível.club leu e se emocionou com o livro autobiográfico de Martin Pistorius e acredita que a história deveria ser adaptada para o cinema. Não temos a menor dúvida de que na vida de Martin não falta drama, sofrimento, superação e, obviamente, amor. Confira a história agora e prepare-se para se surpreender.

Martin, seu pai e sua irmã mais nova

Nos anos 80, Martin Pistorius vivia na África do Sul. Era uma criança completamente saudável e adorava tecnologia. Aos 11 anos, ele mesmo consertava as tomadas de casa. Além disso, equipou o próprio quarto com um alarme feito com peças de LEGO para protegê-lo dos seus irmãos mais novos, David e Kim.

Um dia, em janeiro de 1988, Martin, então com 12 anos, voltou para casa da escola reclamando de dor na garganta. Algum tempo depois, teve de parar de ir à escola porque o seu estado de saúde começou a piorar drasticamente. Pouco a pouco, parou de comer e passou a dormir muitas horas por dia. Andar foi ficando cada vez mais difícil e o seu corpo ficou frágil. As mudanças aconteceram de maneira consciente. No começo, Martin passou a esquecer as coisas, até que parou de realizar as tarefas mais simples. No final, deixou de reconhecer o rosto das pessoas mais próximas.

Joan, a mãe de Martin, deu a ele uma foto da família e todos os dias mostrava um vídeo com imagens de seu pai, Rodney. Mas as referências não pareciam fazer mais sentido para ele. Nesse momento, os transtornos de fala começaram e Martin passou a esquecer quem era e onde estava. Depois de um ano, o adolescente, deitado em uma cama de hospital, disse suas últimas palavras: “Quando vamos para casa?”

Martin já não parecia um rapaz de 13 anos. Ele tinha emagrecido demais e os dedos das mãos pareciam garras de um pássaro. Seu corpo já não respondia a nada. Ele não estava paralisado; simplesmente não podia controlar os movimentos. A única coisa que podia fazer sozinho era comer os alimentos que sua mãe lhe dava

Ou seja, nesse momento, Martin ainda mantinha um estado mínimo de consciência. Trata-se de um transtorno psiconeurológico em que os olhos do doente permanecem abertos, os globos oculares giram, mas não fixam um ponto e frequentemente produzem movimentos caóticos nas extremidades. A fala já não existe, tampouco é possível perceber reações emocionais e o contato com o mundo exterior é praticamente impossível. Ao mesmo tempo, as funções básicas, como respiração, funcionamento do sistema cardiovascular, digestão e secreção de fezes e urina se mantêm.

Os médicos fizeram uma enorme quantidade de exames, avaliaram se o problema poderia ser uma meningite criptocócica ou tuberculose, tentaram muitos tratamentos e nada funcionou, Ele chegou a ser internado em uma clínica psiquiátrica, porque alguns médicos pensaram que havia algum transtorno nesse sentido. Depois de um ano de tentativas, os médicos sul-africanos se deram por vencidos e disseram que não havia mais nada a fazer a não ser esperar o caminho natural da doença. As mentes científicas de outros países, como Estados Unidos, CanadáInglaterra, declararam que era pouco provável que algo pudesse ser feito, já que os médicos locais haviam tentado de tudo.

Martin foi levado para casa e sua mãe, que já havia largado o emprego, passou a cuidar dele em tempo integral. Depois de um ano, quando Martin fez 14 anos, seus pais decidiram levá-lo todos os dias a um hospital onde ele ficava apenas de dia. À noite, buscavam o filho e o levavam para casa. O pai também passou a cuidar do filho. Ele acordava todo dia muito cedo, limpava e vestia o rapaz, o levava ao hospital e depois ia ao trabalho. À tarde, buscava Martin, dava banho, o jantar e o colocava para dormir. Durante a noite, ele acordava para verificar se o filho estava bem. Martin ficava em uma cadeira de rodas ou deitado, sem saber o que acontecia ao seu redor. Como escreve em seu livro, “Estava deitado como se fosse um casco vazio”. Ele ficou assim durante meses, até que a sua consciência voltou.

Nesse momento, Martin já tinha 16 anos. Lentamente, mas com segurança, ele começou a fixar o olhar, escutar o que acontecia à sua volta, sentir cheiros e, o mais importante, raciocinar. Seu corpo continuava sem responder e suas extremidades tremiam sem parar. Embora estivesse consciente, ele ainda sentia como se estivesse coberto de cimento. Os médicos sempre faziam exercícios com ele, dobrando e esticando braços e pernas, mas tudo que ele podia fazer era dar alguns passos arrastando os pés enquanto alguém segurava os seus braços.

Sua mente começou a voltar ao normal e, aos 19 anos, já havia se recuperado completamente. Martin compreendia com clareza quem era, onde estava e o que acontecia no mundo. Mas, como não podia controlar o próprio corpo, ele não podia dizer que estava consciente. Ele não era um ’vegetal’ com a mente de um bebê, mas foi enterrado vivo no próprio corpo. Todos ao seu redor passaram a tratá-lo como uma planta que precisava ser regada e empurrada para algum lugar. Ninguém suspeitava que a consciência dele tinha voltado.

Um dia, Rodney preparou o filho para dormir e o vestiu em silêncio. Martin tentou mexer na própria urina com as mãos e não conseguiu. Ficou frustrado e começou a respirar com mais força.

— Filho, você está bem? — perguntou Rodney.

O jovem olhou fixamente para o pai, tentando mostrar que ele o escutava e entendia tudo.

— Deixa eu te levar para a cama.

Depois disso, Martin compreendeu que suas tentativas de comunicação estavam fadadas ao fracasso. Resignado a passar o resto de seus dias preso em um corpo morto, ele parecia estar em uma ilha deserta, sem esperanças de salvação.

Durante esse tempo, a família se dividiu em 2 grupos. De um lado, Martin e o pai, que sempre estava ao lado do filho, cuidando e tentando ajudá-lo. De outro, a mãe de Martin, que quase não se aproximava do filho imóvel e só dava atenção aos 2 outros filhos. Durante muitos anos houve muitas discussões na família. Joan insistia em internar Martin em uma instituição especial, mas Rodney não permitia. Durante uma briga — e Martin entendia tudo que estava acontecendo -, Joan, com lágrimas nos olhos, olhou para o filho e lentamente disse: “Você deve morrer, você precisa morrer”. Mais do que nunca, esse era o desejo de Martin.

Durante os dois primeiros anos, Joan cuidou do filho incansavelmente; com o tempo, ela percebeu que o filho nunca mais voltaria a ser como antes. Joan ficou deprimida e tentou cometer suicídio. A ajuda de Rodney e dos médicos foi fundamental para ela continuar lutando. Os médicos recomendaram que falasse menos com o filho, para não cair em depressão. Depois dessas palavras, a mãe passou a agir de maneira fria em relação a Martin.

Quando ele tinha 23 anos, uma jovem chamada Virna começou a trabalhar como auxiliar de enfermagem na instituição onde ele estava. Como ela era a única pessoa que conversava com Martin, ele passou a tentar manter contato visual com a enfermeira. Ela tinha certeza de que o jovem não a escutava nem a entendia, mas contava tudo que acontecia em sua vida. Ele, com todas as suas forças, olhava nos olhos dela, mas não havia maneira de mostrar que a estava entendendo. Um dia, ela percebeu que Martin soltava o ar agressivamente quando ela fazia alguma pergunta. Também percebeu alguns sorrisos discretos e o que podiam ser sinais com a cabeça. Virna disse isso aos seus colegas, mas ninguém acreditou nas intenções das ações de Martin.

Uma tarde, Virna viu uma entrevista na televisão sobre uma mulher que tinha adormecido após um derrame cerebral e os cientistas conseguiram restabelecer suas habilidades de comunicação. Virna visitou um centro médico onde especialistas estudam maneiras de ajudar pessoas que não estão em condições de falar. Ela tinha uma pequena esperança de que os especialistas pudessem ajudar o rapaz a recuperar a fala. E convenceu os pais a levá-lo a um centro de métodos alternativos de comunicação, na Universidade de Pretoria, para que alguns exames fossem realizados. Nessa época, Martin já tinha 25 anos e estava nessa situação há 9 longos anos.

Os testes foram demorados e cansativos e mexeram muito com a emoção de Martin, que tinha muito medo de falhar. Ainda assim, ele conseguiu manter o olhar fixo em imagens, parou a flecha no quadrante indicado (em um teste) e, com a ajuda de um interruptor, indicou um ou outro objeto. De acordo com o movimento dos olhos, os especialistas chegaram à conclusão de que Martin escutava tudo, entendia perfeitamente bem a realidade e não tinha nenhuma deficiência mental.

Depois dessa grande conquista, com grande dificuldade e durante um ano, Martin aprendeu a se comunicar com a ajuda de um computador e um software especial. Ele tinha de escolher as imagens e símbolos em uma tábua e usava um interruptor para fazer o computador se comunicar. O jovem acabou ficando na instituição porque precisava de cuidados especiais. Todos sabiam que Martin escutava e entendia o mundo ao seu redor, mas ele ainda era tratado como uma criança irracional. Todos faziam isso, menos Virna.

A enfermeira, uma mulher bonita e educada, contava tudo para Martin. Pouco a pouco, ele foi se apaixonando por ela. Um dia, ele tentou mostrar isso e conseguiu levantar a mão, que, ainda débil, caiu em seguida ao lado do corpo inerte do rapaz. Virna olhou para Martin e disse:

— Você acha que entre nós é possível acontecer alguma coisa? Desculpa, Martin.

Nesse momento, o jovem sentiu uma dor que nunca havia sentido antes: seu coração estava machucado.

Martin com o pai, a mãe e a irmã, Kim

Ao tentar aprender a lidar com o seu sofrimento, Martin, com a ajuda de um computador, aprendeu a usar alguns programas, responder a ligações e a enviar emails. Ele começou a entender de computadores e conseguiu configurar o som da máquina para o seu gosto. Ao adquirir uma nova voz, mostrou às pessoas do centro de saúde o seu novo método de comunicação. Depois das primeiras falas, as pessoas se aproximaram para dar os parabéns, algo completamente atípico na vida dele.

Seu corpo se fortaleceu um pouco, ele aprendeu a se sentar, os músculos do pescoço ficaram mais fortes e ele passou a usar um cinto que mantinha a sua cabeça reta. Além disso, seu braço passou a responder aos seus comandos. Martin passou a fazer discursos para estudantes e pesquisadores, contanto sobre as possibilidades de comunicação com a ajuda da tecnologia. Depois de um dos seus discursos, recebeu uma oferta de trabalho em um centro de comunicação. Isso aconteceu em 2003. Ou seja, apenas 2 anos após o primeiro teste. Passados 6 meses, ele ganhou uma cadeira de rodas elétrica e, desde esse dia, passou a controlar de maneira independente os próprios movimentos.

Até dezembro de 2006, Martin fez muitas apresentações e trabalhou muito. Ele dormia apenas 5 ou 6 horas por noite e estava sempre trabalhando e aprendendo algo novo. Mas o jovem sentia falta de uma coisa: amor. Ele queria encontrar alguém para se apaixonar. O problema era que Martin, aos 30 anos, entendia as mulheres como um garoto de 12 anos. Apesar de se comunicar maravilhosamente bem com as mulheres, elas viam nele uma pessoa diferente.

Em 2009, Martin falou por Skype com a sua irmã, Kim, que, nessa época, vivia no Reino Unido. Ela estava na casa de uma amiga chamada Joanna, que viu na tela do computador um rapaz bonito e que sorria com a ajuda da tecnologia. Joanna entendeu imediatamente que Martin era o homem com quem ela queria passar o resto de sua vida. Depois de se conhecerem por Skype, eles começaram a trocar mensagens e emails, passaram a conversar durante horas e horas na Internet e, um mês e meio depois, disseram um ao outro que estavam apaixonados. Depois de meio ano, Martin foi ao Reino Unido e, em junho de 2009, se casaram.

Nesse momento, o lado direto do corpo de Martin tinha se recuperado e ele podia, por exemplo, servir uma xícara de café e até dirigir um carro. Há pouco tempo, no final de 2018, ele e sua esposa tiveram o primeiro filho, Sebastian Albert.

Essa é a maneira como Joanna descreve a sua relação com o marido: “As restrições físicas de Martin não podem limitar o nosso amor. Apesar de tudo, ele é a pessoa mais viva que eu já conheci”.

Alguns dados importantes:

  • Em 2011, Martin, patrocinado por Megan Lloyd Davies, escreveu um livro autobiográfico chamado Ghost Boy.
  • Em 2015, ele fez apresentações na série de conferências TED e contou a história de sua vida.
  • Em 2018, o canal BBC fez um vídeo sobre a sua vida.

Hoje, Martin tem 44 anos e é muito feliz, apesar de ter vivido um inferno durante muitos anos. Sim, os fantasmas não existem, mas Martin não existia para as outras pessoas, principalmente para parte de sua família. Foi necessário quase um milagre para que ele pudesse chamar a atenção do mundo e sair da prisão que era o seu próprio corpo. E, sim, essa história teve um final feliz. Mas é muito provável que outras pessoas estejam passando pela mesma situação.

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