“Não feche a porta do seu quarto!” O que acontece quando os pais não respeitam a privacidade dos filhos

Psicologia
há 2 anos

Dizem que entre os membros de uma família unida não devem existir segredos: os filhos contam tudo o que acontece na escola e os cônjuges compartilham as experiências do dia. O lema dessas famílias é: “Vamos manter as portas sempre abertas entre nós”. Infelizmente, esse pacto também inclui pontos negativos.

Meu nome é Olga. Meus pais sempre me pediram que lhes contasse absolutamente tudo o que se passava comigo, não existiam limites pessoais. Ao crescer, passei a enfrentar algumas dificuldades, que relaciono a isso. Hoje sou incapaz de fazer reclamações, então, elas se acumulam culminando em uma explosão de sentimentos contraditórios. Tenho baixa autoestima e dependo da aprovação de todos à minha volta. Atualmente, estou trabalhando esses sentimentos, tentando descobrir as razões e os motivos que me levam a ser insatisfeita comigo mesma, e gostaria de compartilhar com os leitores do Incrível.club a minha experiência.

Os psicólogos aconselham que não se obrigue uma criança a compartilhar seus brinquedos, se ela não quiser. Na infância eu adorava fingir que era uma guerreira, então meu pai fez uma espada de madeira em tamanho real para mim. Certa vez, uns amigos dos meus pais vieram nos visitar e trouxeram o filho de 5 anos. Ele adorou a espada e brincou com ela o tempo todo, na hora de ir embora, ele não queria devolvê-la. Ao ver isso, minha mãe me perguntou se eu seria capaz de presenteá-lo com a espada. Quatro pares de olhos adultos e ainda os pequenos da criança aguardavam minha reação, e não tive outra opção a não ser entregá-la, mas meu arrependimento perdurou por semanas.

Hoje em dia, todos falam sobre o direito à individualidade da criança: é preciso seu consentimento para abraçar ou beijar, não se deve adentrar o quarto sem anunciar, e assim por diante. Cresci em um apartamento de dois cômodos e, apesar de ter meu próprio quarto, não tinha direito à privacidade.

Não, meus pais não desconfiavam de mim, só queriam estar sempre por perto. “Não feche a porta do quarto”, diziam o tempo todo. Por isso, muitas vezes eu encontrava dificuldade para fazer coisas simples. Eu queria ler um livro, mas não conseguia, porque eles estavam assistindo a um filme de ação barulhento na sala que tirava a minha concentração.

Na escola, eu tirava notas boas, e, ao contrário dos meus colegas, meus pais não verificavam meu boletim e raramente compareciam às reuniões de pais na escola. Porém, um dia, descobri que minha mãe, sem me contar nada, foi à escola conferir minhas notas.

Me senti magoada e pensei que apesar de ser boa aluna, meus pais não confiavam em mim. Quando questionei minha mãe por que ela não me perguntou sobre meu desempenho escolar, ela respondeu que é sempre melhor receber essas informações diretamente de uma professora.

Quando adolescente, comecei a me interessar por meninos. Minha mãe percebeu a mudança no meu comportamento. Passei a me vestir com mais capricho e chegava em casa um pouco mais tarde depois da escola (eu tentava sair no mesmo instante que “ele”).

Depois de um questionamento detalhado, contei à minha mãe que estava gostando de um menino e disse o nome. Ela aprovou a minha escolha e arriscou alguns conselhos. Mas no dia seguinte uma colega de classe veio até mim e perguntou se era verdade que eu gostava do Andrei. Minha mãe contou sobre nossa conversa para a mãe dessa minha colega.

Fiquei ofendida, falei com a minha mãe sobre isso, mas ela apenas riu e disse que eu não deveria me preocupar pois tudo se tratava de uma bobagem, apenas um amor infantil. Essa foi a primeira e a última vez que contei a meus pais sobre meus relacionamentos.

Quando eu tinha 15 anos, certa vez entrei no meu quarto e surpreendi minha mãe lendo meu diário. Fiz um grande escândalo e saí de casa. Depois de me acalmar, conversei com ela sobre o ocorrido. Ela explicou que estava preocupada, porque eu ficava menos tempo em casa. Na ocasião aceitei a explicação, mas com o passar do tempo percebi que ler a correspondência de um filho ou seu diário é uma maneira ruim de conquistar a confiança.

Atualmente, não me sinto à vontade quando alguém se aproxima do meu celular. Mesmo não tendo nada a esconder, se meu marido se aproxima dele, não consigo deixar de observar.

Até completar 17 anos, minha mãe ainda me acompanhava ao médico, e no consultório era ela quem explicava o que eu sentia. Se eu tentava dizer algo, ela me interrompia. Isso só parou quando um médico perguntou se eu era muda. Finalmente me rebelei. Minha mãe ficou surpresa, pois achava que eu tinha medo de ir a hospitais sozinha. Agora entendo que esse comportamento é uma forma de superproteção e não um cuidado natural.

Estudos revelam que a superproteção materna na infância leva a mudanças estruturais no cérebro, em particular na amígdala cerebral, responsável pelas respostas a ameaças. Ficou claro por que acho que todos ao meu redor estão tentando me agredir constantemente.

Com relação a roupas também desenvolvi um comportamento curioso. Usamos as roupas como forma de expressão, e os pediatras recomendam que os pais permitam à criança a partir dos 4 anos de idade escolher o que quer vestir. Passei a escolher minhas roupas sozinha somente depois dos 20 anos.

Antes disso, quando passeava em um shopping, entrava nas lojas, tirava fotos das peças que gostava e as enviava para minha mãe, amigas ou namorado. Comprar ou não comprar, dependia da opinião deles.

A ruptura do laço estreito que tinha com meus pais foi lenta e gradual. Agora que sei mais sobre isso, se tivesse oportunidade, teria feito de maneira diferente. Mesmo depois de sair da casa dos meus pais, deixei que controlassem minha vida.

Esta situação é um bom exemplo: queria comprar um vestido para ir ao casamento de uma amiga, e deixei que minha mãe me acompanhasse. Eu estava no provador quase nua e ela abriu a cortina. Eu disse: “Mãe, o que você está fazendo?” E ela respondeu: “Até parece que alguém aqui quer olhar para você”

Houve muitas situações parecidas. Faltou água na minha casa, então, resolvi ir tomar banho na casa da minha mãe. Quando eu estava no chuveiro, a porta do banheiro se abriu, e escutei minha mãe gritar: “Filha, você fez uma tatuagem?” Sim, já faz mais de um ano, e não sou uma criança.

Agora nossa relação está melhorando, mas a “política de portas abertas” me deixou marcada permanentemente. Além de um constante sentimento de desconfiança, existe outro problema: quando meu marido pede um pouco de privacidade, sinto-me ofendida e abandonada. Não quero ser uma companheira sufocante e estou aprendendo a não ter medo de ficar sozinha. Tento elevar minha autoestima e demarcar meus limites. Espero conseguir, porque “antes tarde do que nunca”.

E como a sua família lida com a questão dos limites pessoais? Conte para a gente na seção de comentários.

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