“O professor tem que trabalhar com a alma e o coração.” A história da mulher que fundou uma escola aos 21 anos e criou o Dia do Professor no Brasil

Mulher
há 1 ano

Você sabe da importância do Dia do Professor no Brasil? Com toda desvalorização de professores, a data nos lembra do valor de quem nos forma academicamente e ajuda tantos a se tornarem pessoas melhores e mais conscientes de seu potencial e papel na sociedade. A educação, como um caminho para o progresso, foi o que inspirou Antonieta de Barros, criadora do Dia do Professor, a dedicar sua vida ao magistério. Confira sua impressionante história!

Antonieta de Barros nasceu em 11 de julho de 1901, em Florianópolis, Santa Catarina. Era filha de Catarina de Barros, uma lavadeira e ex-escrava liberta apenas 13 anos antes do nascimento de Antonieta, já que a Lei Áurea fora declarada em 1888. Catarina transformou a casa da família em uma pensão para estudantes e a convivência com eles incentivou Antonieta e os irmãos a se alfabetizarem.

Antonieta foi professora, escritora, jornalista e política, responsável por instaurar o Dia do Professor, inicialmente como feriado, no estado de Santa Catarina, em 1948, passando depois ao âmbito nacional em 1963. A data foi proposta por Antonieta para celebrar e evidenciar a educação como um caminho para o progresso, afirmando em um de seus discursos no congresso:

“Educar é ensinar os outros a viver; é iluminar caminhos alheios; é amparar debilitados, transformando-os em fortes; é mostrar as veredas, apontar as escaladas, possibilitando avançar, sem muletas e sem tropeços”

Antonieta com sua mãe e irmã

Antonieta concluiu o primário, atual Ensino Fundamental, e, aos 17 anos, iniciou a Escola Normal, equivalente ao Ensino Médio, combinada com a formação de professores para o Ensino Fundamental. Foi a primeira da família a concluir todo o ciclo escolar. Realizou o sonho de ser professora e, em 1922, criou o Curso Particular Antonieta de Barros em sua casa, destinado a alfabetizar a população carente. Conduziu o curso durante toda a vida com muito comprometimento, conquistando o respeito até das mais tradicionais famílias da região.

Pretendia ingressar no Ensino Superior, mas, na época, o curso de Direito era proibido a mulheres. Em um artigo publicado no Jornal da República em 1932, Antonieta criticou duramente a proibição do acesso das mulheres a instituições de Ensino Superior: “Há uma grande lacuna na matéria de ensino: a falta dum ginásio onde a mulher possa conquistar os preparatórios para ingressar no Ensino Superior. O elemento feminino vê, assim, fechados diante de si, todos os grandes horizontes”.

“Foi a revolução quem fez a mulher brasileira o indivíduo que ela é hoje; foi a revolução quem deu à mulher o direito de ter cérebro, de deixar de ser sombra da criatura e ser a própria criatura”

Trabalhou também como professora na Escola Complementar e na Escola Normal Catarinense, onde foi também diretora entre 1944 e 1951. Enfrentou muito preconceito durante toda sua vida e carreira, mas se manteve incansável em sua luta por inclusão racial e de gênero. O principal objetivo de Antonieta era contribuir para a redução do analfabetismo e trazer luz a questões de desigualdade social.

Fundou e dirigiu o jornal A Semana entre 1922 e 1927, sendo considerada a primeira mulher negra a trabalhar na imprensa catarinense. Como cronista, escrevia principalmente sobre questões ligadas à educação, política, preconceito e condição feminina. Também dirigiu a revista quinzenal Vida Ilhoa (1930) e escreveu artigos para jornais locais.

Sob o pseudônimo de Maria da Ilha, publicou em 1937 o livro Farrapos de Ideias, sendo a primeira mulher negra a publicar um livro em Santa Catarina. Os lucros da primeira edição da obra foram doados para a construção de uma escola destinada aos filhos de pessoas marginalizadas da sociedade por serem portadores de hanseníase, a maioria exilados no Leprosário Colônia Santa Teresa.

“O professor tem que ser mais que instrutor: — o arquiteto apaixonado do futuro, o plasmador consciente das individualidades, um idealista impenitente. Trabalhar com a alma e o coração, postos no futuro, e ser, desse alvorecer deslumbrador — que se divisa, além, muito além, ainda, o sol, e a própria vida”

O direito das mulheres ao voto no Brasil foi concedido em 1932. Os esforços e movimentos para instituir o voto feminino vinha desde o movimento sufragista no século XIX e início do século XX. E as lutas de Antonieta foram travadas, em sua maioria, em uma época em que as mulheres nem sequer tinham direito a voto.

Em 1933, aconteceu a primeira eleição em que mulheres puderam votar e ser votadas para os poderes executivo e legislativo. Antonieta concorreu a uma das vagas de deputada à Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC) e ficou suplente. Como o deputado eleito Leonidas Coelho de Souza não tomou posse, Antonieta foi convocada à sua vaga, tornando-se assim, a primeira mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil.

Foi também a primeira deputada mulher no parlamento catarinense e primeira mulher negra representante do poder legislativo na América Latina. Foi reeleita em 1948 e, apesar de reconhecida por uma parte da população por suas ações positivas, foi atacada por diversas personalidades da época. Contudo, historiadores afirmam que Antonieta não se desencorajava com as críticas e ataques e permanecia forte nos cargos em que ocupou.

Antonieta de Barros faleceu em 1952 devido a complicações de diabetes. Mas seu legado de luta por justiça, inclusão, igualdade racial, de gênero e classe, permanece vivo até hoje. Em 2023, foi sancionada a lei que registra seu nome no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. O livro homenageia personalidades importantes da sociedade brasileira e Antonieta de Barros com toda certeza merece estar entre esses nomes.

Em 2022, o Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina reuniu, em uma coletânea, 50 crônicas de Antonieta escritas entre 1929 e 1952. O livro foi traduzido para o português contemporâneo e disponibilizado para as escolas da rede pública estadual. Também, em homenagem a ela, foi criada a Medalha de Mérito Antonieta de Barros, que premia indivíduos e empresas pela criação de trabalhos relevantes, ou que tenham destaque na luta pela defesa do direito das mulheres.

Também leva seu nome o Prêmio Antonieta de Barros, criado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, destinado ao reconhecimento de jovens comunicadores negros do país.

“Todo ser humano, julga-se um poço de perfeição, tão somente, porque se desconhece. [...] É no conhecimento das imperfeições próprias e na sua consequente correção que a vida se ameniza”

Antonieta nunca se casou ou teve filhos, permaneceu comprometida e fiel à carreira no magistério e suas causas sociais. Fazer tudo o que fez em uma época em que mulheres não tinham voz, muito menos uma mulher negra, filha de ex-escrava, enquanto era constantemente desprezada e atacada, é de uma força e resiliência sem limites. Antonieta marcou a sociedade brasileira de sua época e seu legado jamais será esquecido.

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