Carta ao meu filho, que me despreza por não ter lhe dado uma vida mais luxuosa

Gente
há 1 ano

Os filhos são a principal razão da lotação do transporte público todas as manhãs. Isso porque milhares de pessoas saem às ruas para dar o melhor de si para garantir aos filhos tudo o que estiver ao seu alcance. Com o passar dos anos, muitos pais percebem que tamanho esforço talvez não tenha valido a pena, pois muitos filhos não compreendem por que não tiveram mais luxos, mais roupas e mais agrados. Nesse exato momento, a venda nos olhos cai e fica claro aos progenitores que eles estavam, na verdade, criando pessoas ingratas.

Carta ao meu filho, meu amor insatisfeito

Antes de você chegar à minha vida, minha única responsabilidade era comigo mesma. Aos fins de semana, eu não tinha nenhum motivo que me impedisse de ficar na rua até tarde e o pouco ou muito do meu salário era gasto em coisas minhas ou para minha casa. Não vou mentir para você: eu não estava preparada para ver aqueles dois risquinhos no teste de gravidez, mas saber que você estava a caminho me fez sentir uma enorme felicidade no coração que jamais poderia comparar a uma ida ao cinema ou ter sapatos novos. Eu te amei desde esse exato instante.

A ordem das minhas prioridades sofreu um enorme abalo. Minhas visitas sonhadoras às vitrines das joalherias caras se transferiram para as de lojas de bebês. Eu queria comprar tudo para você! Mas a frase mais frequente na minha cabeça era: “Não posso”. Ao descobrir que viria um menino, nossa casinha se encheu de azul. Guardava até o último centavo e economizava para poder pagar cada uma das coisinhas para você, como aquele bercinho de madeira que tinha visto na loja.

Nunca vou me esquecer do dia em que te segurei nos braços pela primeira vez. Eu não podia acreditar, uma criaturinha tão perfeita, tão única, tão mágica não podia ter saído de mim. Meu coração quase saiu pela boca. Imediatamente me tornei sua protetora mais fiel e me foquei em fazer o melhor por você, comecei a colocar a minha própria vida de lado para enaltecer a sua. Ficaram para trás os passeios ocasionais de que tanto gostava. Não havia nada que eu gostasse mais do que ver seu sorriso após correr o dia todo no parque ou ganhar a bola de futebol que tanto queria. Como éramos felizes na sua infância!

Ninguém contou que a adolescência seria o bicho-papão que rondava meu quarto à noite quando eu era menina. Assim que completou 12 anos, as coisas começaram a mudar. Sentia que estava deixando de ser o grande amor do meu único amor. Seu caráter se tornou mais azedo e sua doçura foi diminuindo, embora eu nunca ousasse falar nada. Seus abraços e carinhos só se tornaram uma lembrança do que um dia existiu. Você já não queria mais ficar em casa e ir à casa dos seus amiguinhos se tornou seu esporte favorito. Eu não tinha coragem de discutir com você, então, para ocupar minha mente, arrumei outro emprego.

Os anos foram passando e meu lindo menino continuava nesse processo de se tornar adulto. Nessa transição, vieram à tona centenas de censuras reprimidas contra mim. Ainda me lembro de uma delas como se fosse ontem. Você tinha 15 anos e, uma noite, chegou em casa de muito mau humor, perguntei timidamente se estava bem e vi como seus olhos se encheram de ressentimento. Você foi direto ao ponto e me questionou por que não tínhamos casa própria. Respondi que não era tão fácil por ser algo muito caro, aí saíram uns dardos da sua boca que acertaram diretamente meu coração: “Mãe, é o cúmulo! Você é uma fracassada, uma locatária acomodada. Tenho vergonha de descender de alguém sem dinheiro”.

No mês seguinte, quando o proprietário veio cobrar o aluguel, você lhe ofereceu uma “gorjeta” de 50 reais, lembra? Você falou que eu era uma inquilina muito mesquinha e que eu me aproveitava dele. Fiquei surpresa. Tentei te explicar que os proprietários não recebem gorjetas, mas minhas palavras entraram por um ouvido e saíram por outro. Não consegui te reconhecer na pessoa que falou que, quando crescesse, seria dono de muitas casas e despejaria as mães solo. Quase morri de dor.

Acontece que há anos participo de uma competição de comparações entre a vida dos seus amigos e a que eu pude lhe dar. Nem preciso dizer que sempre perdi olimpicamente. Os sacrifícios que fiz durante todo esse tempo não significam nada para você e, pior ainda, você sente vergonha deles. Quase não nos falamos e te vejo muito pouco. Não sei como chegamos a esse ponto, mas sinto, com muita tristeza, que não sou a mãe que você gostaria de ter.

Hoje você completa 18 anos e se torna oficialmente adulto. Tenho procurado por todos os meios me aproximar de você, recuperar seu amor e inspirar novamente aquele seu olhar afetuoso da sua infância. Tudo foi em vão, pois só recebo rejeição, aspereza e insultos. Mas aos meus olhos você sempre será meu lindo menino que chegou para mudar minha vida. Porém, hoje, com muita tristeza, preciso tomar uma decisão radical para te ajudar a entender que o valor das pessoas não está em suas posses.

Durante vários anos tive dois empregos e confesso que, mesmo nesses momentos, você foi a minha motivação. Tudo o que ganhei do meu segundo emprego coloquei em um fundo criado para que você pudesse fazer uma faculdade e ter uma vida melhor do que a minha. Hoje há vários milhares de reais economizados lá, mas você não é mais o destinatário, mas sim eu. Vou recomeçar em outra cidade e espero ter notícias suas quando a vida te fizer entender que não existe amor mais puro do que aquele de quem te trouxe ao mundo. Te deixo esta carta como herança, ensinamento e despedida.

Mamãe

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Que filho horrível. Queria que a minha vó fizesse o mesmo com os filhos dela.

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