Trabalhei como comissária de bordo nos anos 90 e vou compartilhar minhas melhores experiências de voo

Curiosidades
há 2 anos

Carolina é ex-comissária de bordo. Hoje, ela tem 51 anos e passou 28 anos trabalhando “nas alturas”. Agora, ela tem um blog, no qual compartilha memórias e segredinhos da sua profissão nos anos 90 e analisa o que mudou no ramo da aviação com o passar do tempo. Carolina se autointitula “comissária aposentada”, mas a forma como ela aborda o tema deixaria muitos blogueiros atuais com inveja.

Nós, do Incrível.club, lemos as histórias da ex-comissária e, com a permissão dela, publicamos aqui as mais interessantes. Seja bem-vindo a bordo!

Em quase todo voo, havia uma pessoa “muito importante”, que tentava resolver qualquer problema com a pergunta: “E você sabem quem sou eu?”

Não pôde furar fila para ir ao banheiro — “E você sabe quem sou eu?” Não recebeu a quantidade de frango desejada — “E você sabe quem sou eu?” Cobertores extra foram dados apenas às mulheres com crianças pequenas — “E você sabem quem sou eu?” Há apenas uma autoridade máxima a bordo: o Comandante. Após ele, o copiloto e, então, o resto da tripulação. Todos os passageiros são iguais, isto é, são servidos conforme as regras estipuladas para cada classe e as necessidades do momento.

“Você vai perder seu emprego” é a segunda etapa de “E você sabem quem sou eu?” As razões são as mesmas: não conseguiu o que queria; não recebeu autorização para ficar em pé enquanto o avião descia para aterrissar; foi chamado atenção por fazer muita bagunça. Assim como eu, meus colegas eram quase “demitidos” em cada voo. Às vezes, por conta de pessoas inquietas assim, tínhamos de trocar de posição para evitar maiores conflitos. Ou seja, o comissário que deveria ser “demitido” ia para a cozinha para não servir mais àquela pessoa. Nós, ainda, brincávamos dizendo a todos no salão: “Fiquem tranquilos, tal pessoa não está mais trabalhando conosco”. Após esse comunicado, o passageiro incomodado logo soltava uma risada e se acalmava.

Discórdia na classe executiva

Voar em business class é realmente muito confortável. Os assentos são espaçosos, o passageiro pode descansar bem, além de desfrutar do serviço elevado. Mas o preço por toda essa mordomia também é considerável. Por esse motivo, boa parte dos lugares executivos ficam vagos, e esses espaços vazios chamam a atenção de alguns passageiros da econômica.

  • Basta dar meia-volta, e lá está ele sentado. “Vou descansar só um pouquinho aqui, não estou me sentindo bem”, fecha os olhos e respira fundo. Se isso ocorrer antes da decolagem, sem problemas, chamamos os médicos. E que milagre! O passageiro logo se sentiu melhor, pôde levantar da classe executiva e foi se sentar no seu lugar. Na econômica.

  • Há aqueles que gostam de reivindicar seus direitos. “Este assento não está ocupado, eu tenho direito. Qual a diferença para você?” Mesma situação: se o avião ainda não decolou, e a pessoa fica cada vez mais agressiva ao longo da conversa, é preciso pedir ajuda. Porém, se já estivermos no ar, será necessário continuar insistindo até a pessoa acatar.

  • “Sempre voo em executiva. Por exemplo, no check-in me dizem que não há lugares vagos, mas se encontro um, me sento e pronto”. Certas pessoas usam esse argumento dizendo que não querem “quebrar a tradição”.

  • Outras ainda afirmam que pagaram, ou “combinaram” com alguém, ou conhecem algum dos chefes.

  • Há, ainda, aqueles que não exigem nada, mas insistem em “dar um jeitinho”. Esses são os passageiros que “acidentalmente” acabam dormindo na executiva e fingem até estar roncando — pensando que os comissários terão pena de acordá-los. E toda vez é a mesma coisa: “Sim, sim, me desculpe, dormi sem querer”.

  • Às vezes, outro caso: passageiros viajando em família. O pai está na executiva, os outros, na econômica. Se houver assentos vagos ao lado do pai, certamente tentarão se sentar lá. Geralmente, as crianças são as primeiras a atacar. Depois, os mais velhos. Se o comissário ficar com pena e deixar uma criança na executiva, por exemplo, o pai vai começar a exigir que seu filho receba o mesmo serviço de alto nível. Nesses casos, temos de pedir para a criança voltar à econômica.

Houve um tempo em que crianças podiam voar sozinhas e, às vezes, isso causava muitos problemas aos comissários

Como regra geral, os pais acompanhavam a criança até o embarque e alguém a buscava após o pouso. Porém, durante o voo, o menor de idade ficava sob a tutela dos comissários de bordo. Na época em que até os telefones fixos eram uma raridade, crianças viajavam muito sozinhas. E, muitas vezes, a tripulação nem era informada com antecedência. Meninas e meninos simplesmente eram levados até o portão de embarque e, então, entendíamos a situação: aqui está o consentimento dos pais, a passagem, os outros documentos e boa viagem! Não seria tão problemático se fosse apenas um menor, mas e quando eram vários? E se fossem pequenos demais? Sim, não voavam sozinhos apenas adolescentes, mas também crianças de 3 ou 4 anos.

Um caso se destaca dos demais. Uma menina de 6 anos entrou no avião sozinha. Recebemos um bloco de documentos e uma solicitação: levá-la de uma cidade a outra. Isso foi antes da era da Internet e dos telefones celulares. Supostamente, quem a receberia seria a avó. Mas a mulher não apareceu. Não sabíamos o que fazer, então levamos a menina ao endereço da avó por conta própria. Chegamos ao local e batemos à porta: “Ei, abra! Trouxemos sua neta”. A resposta foi: “Que neta?!”

O endereço que nos deram estava errado. Ninguém nos esperava naquela casa, nem mesmo naquele bairro. Saímos perguntando aos vizinhos, batendo de porta em porta. Ninguém sabia de nada. Bem, voltamos. Por fim, tivemos de enviar a menina de volta à cidade de partida e comunicar aos pais.

Conseguir trabalhar em um voo para o exterior só foi possível após me mudar para a capital

Ainda em 1991, fomos informados que nossa companhia aérea passaria a realizar voos para o exterior. A gerência perguntou quem gostaria de fazer aulas de inglês, e logo me prontifiquei. Porém, não foi tão simples obter uma educação complementar como imaginei. Toda vez que pedia, a direção rejeitava meu requerimento. As justificativas iniciais eram de que eu ainda trabalhava pouco. Depois, que não havia grupos disponíveis. Ouvi, também, que eu deveria estudar por conta própria, mas isso era quase impossível para a época. Se alguém da minha cidade conseguisse trabalhar em um voo internacional, então era porque conhecia alguma pessoa influente.

Minha primeira oportunidade de voo internacional surgiu somente em 2009. Junto dos meus colegas, passei pela escola de aviação de Moscou, em que tivemos cerca de 300 horas acadêmicas de inglês. Paguei tudo com meu próprio dinheiro. A empresa não me reembolsou nada. Eles disseram que foi uma escolha voluntária: se queria viajar para fora do país, devia arcar com as consequências. Hoje em dia, grande parte das companhias aéreas paga os custos de formação dos seus funcionários.

Todos os passageiros têm suas peculiaridades

Servimos as refeições, e o menu era leve: chá, café, omelete ou ensopado à escolha. Os passageiros estavam decidindo rapidamente o que queriam. Então, foi a vez de um senhor de meia-idade bem misterioso. Ele estava quieto, mas percebia-se que queria pedir algo. Explicamos o cardápio novamente, e ele respondeu: “Olha, na verdade, estou acostumado a tomar dois copos de leite toda manhã. Podem ir pegar!”

Nós até tínhamos leite, mas apenas como complemento para chá ou café, pois a quantidade era bem modesta. Esclarecemos a situação educadamente e ainda prometemos que ofereceríamos leite ao senhor caso sobrasse ao fim do serviço. O homem concordou, mas não pediu nada do menu.

O serviço terminou, e o leite também. Mas conseguimos encher um copo. Dois, não. Isso foi motivo suficiente para deixar o passageiro enfurecido. O senhor gritava de raiva, algo como “Eu deixei bem claro que queria dois copos de leite”. O homem ainda tentou invadir a cozinha durante o resto do voo, exigindo mais leite. Arrancou, também, as cortinas do salão...

A passageira imperturbável

Nos anos 90, as refeições de bordo eram servidas em tigelas reutilizáveis. Tirávamos as comidas de contêineres e as colocávamos nas tigelas, que eram então levadas nos carrinhos pelos corredores.

Não me lembro bem do rosto da passageira, mas ela tinha um penteado diferente. Passávamos entregando as comidas, o avião estava balançando bastante. Uma turbulência mais forte, e uma chuva de arroz caiu direto na cabeça dessa mulher. Como resposta, em vez de se estressar, a passageira apenas fechou os olhos e deixou que eu e meus colegas limpássemos o cabelo dela, catando os grãos de arroz. Nossa, foi por pouco...

Passados vinte minutos, levávamos os carrinhos novamente. E a situação se repetiu exatamente da mesma forma! Novamente, turbulência. Novamente, arroz no cabelo da mulher. Pensei que dessa vez não escaparíamos. Mas eu estava errada. A segunda vez foi igual à primeira: a senhora nem parecia se importar. Tentei retirar todo o arroz, mas não consegui pegar tudo. E nós duas sabíamos disso.

A paternidade em ação

Certa vez, um jovem casal voava com uma criança de colo. O bebê chorava e chorava, sem parar. Os pais basicamente ignoravam a nossa apreensão. Após quatro horas de voo e de choro, tentamos oferecer ajuda de uma forma mais incisiva. Descobrimos que a criança estava com fome. Não apenas com fome, mas faminta: ela havia comido a última vez antes da decolagem, no aeroporto, ou seja, há mais de seis horas.

Os jovens pais, é claro, não haviam levado comida para a criança. O estranho é que ambos pareciam não se importar com isso, pois durante toda a gritaria, eles apenas aproveitavam as refeições, sem se mostrar preocupados. Não consideraram, também, oferecer um pouco da própria comida ao bebê.

Após assistir a essa situação, toda a tripulação ficou extremamente inquieta com o que se passava. Tentamos procurar outros passageiros com crianças de colo, mas não havia nenhum outro bebê a bordo naquele momento. No entanto, um milagre ocorreu! Nesse voo, havia uma mulher que levava consigo uma fórmula infantil para sua neta. Então, diluímos a mistura, que foi dada à criança. Após ela se alimentar, parou de chorar imediatamente e dormiu. É claro, perguntamos aos pais: “Como vocês não trouxeram nada?!”, no que eles apenas sorriram e agradeceram, fugindo da pergunta.

Alongamento arriscado

Os passageiros pensam em todos os tipos de coisa. Que tal me alongar na frente de alguém? Fácil! E que tal na frente do comissário de bordo? Melhor ainda. Como isso ocorre: geralmente, entre um processo e outro, os comissários podem se sentar nos seus lugares. Daí, de repente, uma pessoa se “materializa” na nossa frente e começa a... alongar o quadril... uma, duas, três, quatro vezes. Depois, no sentido anti-horário. Então, gira os braços... uma, duas, três, quatro vezes. Enquanto isso, os comissários estão se esquivando para evitar acidentes.

Quando pedimos para não fazerem isso tão perto, os passageiros, geralmente, não compreendem: “Qual o problema?!” Por isso, usávamos muito o método “espelho”. Eu pedia para a pessoa se sentar no meu lugar e começava a fazer exatamente o que ela fazia, com todas as piruetas e malabares. Depois, ríamos todos juntos.

O processo de trabalho com as refeições racionadas

Nossa companhia aérea trabalhava com um nível inferior de comida às normas permitidas. Por isso, água e sucos sempre faltavam. Tínhamos de liberá-los com muita cautela e medidas exatas. De fato, contando milímetros no copo. Se enchêssemos um copo demais no começo do serviço, teríamos de explicar a falta para outro passageiro e pedir desculpas cheios de vergonha. A medida dos sucos era 100 ml, cerca de metade de um copinho de plástico com canudo.

Os passageiros não entendiam. Uma a cada duas pessoas pedia mais da bebida. Uma a cada cinco não acreditava que não tinha mais a bebida. Uma a cada 20 achava necessário armar um escândalo por conta disso. As pessoas não costumavam pedir água como hoje. Muitas, até, nem queriam. Por isso, frequentemente, dizíamos: “Peço desculpas, não podemos oferecer mais suco. Mas podemos trazer mais água para o senhor. O que acha?” Poucos aceitavam a proposta.

Para quem não sabe: assim eram as tigelas reutilizáveis das refeições

Uma vez, voou conosco o filho de um executivo da aviação muito influente. Não havia muita gente no voo, então ele se sentiu no direito de relaxar usando três assentos ao mesmo tempo. Levamos suco. Entreguei a quantidade regulamentada. Ele tomou tudo em um só gole e pediu mais. Fui obrigada a recusar o pedido, explicando todo o esquema de racionamento e oferecendo água no lugar de suco, como uma alternativa. Mas o rapaz “influente” declarou que não queria água e logo soltou: “Você ao menos sabe quem é o meu pai? Ao aterrissar, contarei tudo a ele!”

Aproximei-me e disse que sabia quem era o pai dele e que realmente seria uma ótima ideia contar toda a situação. O rapaz “fechou o rosto” indignado, pôs o copo vazio na poltrona e virou o rosto para a janela. Depois, comeu as refeições e tomou água sem dar um pio. Felizmente, não houve consequências negativas.

Todos os pratos quentes eram levados a bordo em contêineres de ferro com caçarolas embutidas. Calculávamos a olho nu

Assim eram os contêineres de ferro das refeições

É preciso se certificar de que tudo está relativamente correto antes de prosseguir e assinar os documentos do entregador. Assinou os papéis? Pronto, o representante do fornecedor irá embora rapidamente. Tchau, tchau, amigo!

E se houve um erro? Digamos que alguém calculou errado a quantidade de certo alimento. Bem, no ar, ocorreria a seguinte situação. Como nós mesmos colocávamos as comidas nas vasilhas, medindo a olho nu, assim como a divisão da carne, era possível colocar mais em um prato do que em outro.

No entanto, quando havia uma porção ínfima para algum passageiro, a situação se tornava realmente um pesadelo. Uma vez, uma colega errou grosseiramente o cálculo das porções. Sem querer. Vários contêineres já estavam vazios e ainda havia muitos passageiros para alimentar. Por isso, tivemos de doar nossas porções. Por oito horas, toda a tripulação trabalhou com o estômago vazio.

Lembro-me desse dia e penso que nossa equipe deveria estar com uma aparência de cães famintos, porque, ao fim do voo, alguns de nós não conseguíamos nem prestar atenção nas perguntas dos passageiros. Uma pessoa até notou e olhou estranho, e minha colega logo disse: “Não olhe assim para mim, não estou me sentindo bem”.

Antigamente, os comissários de bordo não tinham de limpar o salão nem os banheiros

Hoje, há novas regras: após o embarque e a partida dos passageiros, os comissários têm de recolher o lixo deixado nos assentos; precisam usar escovas para remover sujeiras; devem verificar a limpeza dos banheiros.

Felizmente, eu nunca tive de passar por isso em toda a minha carreira. Passei por outros momentos “encantadores”, mas limpeza nunca. Alguém entupiu o vaso sanitário ou sujou o chão gravemente? Tudo bem, fecharemos o banheiro até o fim do voo. Para que você entenda o nível das “tragédias” que ocorriam, vou descrever uma das situações mais recorrentes pela qual passávamos.

Vaso entupido. Bom, é relativamente compreensível: lixo, papel, fraldas, absorventes. Fim da história. Porém, esse nem sempre era o caso. Falando dos absorventes... não sei o que passa na cabeça de algumas pessoas, mas elas jogavam os absorventes em todo lugar: no espelho, nos compartimentos para sabonete, na tampa do vaso. Atrás do vaso, também. O mesmo ocorria com fraldas, lenços, papel higiênico usado. O compartimento de lixo parecia ser inútil. Qualquer outro lugar era melhor.

Por conta disso, já tivemos de fechar quatro de cinco banheiros, durante o mesmo voo. Foi um atrás do outro: 5, 4, 3, 2. É claro, a cada vez, os passageiros reclamavam indignados com gritos. Primeiro, anunciávamos o fato; então, o motivo; depois, implorávamos por mais cuidado. Não servia de nada.

Os passageiros ainda ficavam revoltados, se perguntando quem poderia fazer algo do tipo, e como essa pessoa “não tem vergonha na cara”. Assim, fomos fechando um banheiro atrás do outro. Todos se olhavam com desaprovação, mas nada mudava. Por fim, voamos por três horas, com 280 passageiros e apenas um banheiro disponível. Triste fim.

Depois de ler como era a aviação nos anos 90, o que você acha que evoluiu hoje em dia? Comente!

Comentários

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EU NÃO GOSTO DE GENTE ARROGANTE SE PERGUNTA VOCÊ SABE QUEM SOU EU EU DIGO QUE NEM QUERO SABER

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Eu imagino quanta coisa essas moças tem que aguentar nesses vôos, deus me livre

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Vi que só tem gente chata em voos 😂😂😂😂 querendo dar jeitinho em tudo

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