Conheça Jô, a vovó que deixou tudo para trás e viaja o mundo em busca de aventura
E se a aposentadoria fosse apenas o início de uma grande aventura? Conheça Jô, a cearense que trocou a segurança de sua casa pela emoção de explorar o mundo. Seu espírito viajante a levou a lugares incríveis e experiências únicas. Venha descobrir como essa avó decidiu viver sua vida de um jeito totalmente inusitado!
Aposentadoria com sabor de liberdade
Após anos trabalhando em presídios do Ceará, numa rotina de violência, Josefa Feitosa, ou Jô, como é conhecida, resolveu se dar um merecido presente. Ela conheceu cerca de 40 países e só volta ao Brasil para renovar o passaporte. A vida pós-aposentadoria de Jô é bem diferente daquela que ela levava quando trabalhava como assistente social no sistema prisional do Ceará e vivia uma rotina de ameaças, devido a sua atuação na defesa de mulheres transexuais.
“Minha cabeça era um entulho biográfico dos outros”, relembra sobre seu trabalho de ouvir relatos e dar suporte a detentos, familiares e funcionários dos presídios. “Eu brinco e digo que resolvi me ’autocondenar’ à liberdade e escrever minha própria história”. Assim que se aposentou, a cearense comunicou à família que planejava deixar Fortaleza para se dedicar ao seu sonho. O resultado foi uma aventura pelo mundo dividida entre duas temporadas, uma na Europa e outra entre África e Ásia.
A mudança radical
No roteiro, havia experiências em Auroville, a cidade onde se vive sem dinheiro na Índia, na noite de Amsterdã, nas praias de Zanzibar e no leito do rio Nilo, no Egito. Tudo devidamente registrado em uma página no Facebook chamada “Jô: Morando onde minha mala está”, que mantém para deixar amigos e filhos informados.
O primeiro passo para o que chama de “liberdade” foi ainda no Brasil. Viajou até Belém, no Pará, para seguir de barco até Manaus, no Amazonas, numa viagem de dez dias dormindo em redes. Depois, seguiu para o Paraná e São Paulo, antes de embarcar para a primeira experiência no exterior com um novo olhar de viajante. Antes, já havia ido à Europa em pacotes turísticos fechados em agências. “Era um horror, achava que o mundo era um bicho-papão”.
Dedicada a conhecer o mundo
Jô conheceu Portugal, Espanha, fez curso de inglês na Irlanda e atuou de babá ao mesmo tempo em que estudava e viajava para outros países, como Holanda, Escócia, Suíça, Bélgica e Itália. Esgotada a temporada na Europa, só deu tempo de voltar ao Brasil para colocar o apartamento para alugar, se desfazer do que sobrou e partir em direção à África do Sul. Desde então, não parou mais.
Jô passou por países como Quênia, Ruanda, Uganda, Egito, Israel, Índia, Nepal, Laos até chegar ao Vietnã. Ela pretende voltar ao Brasil apenas para renovar o passaporte, declarar o Imposto de Renda e arranjar novos inquilinos para a sua casa. Isso sem falar em viagens para a Malásia, Filipinas e Nova Zelândia.
“Depois de criar três filhos, dar o sangue, suor e lágrimas por trabalhos estressantes e mal remunerados, relacionamento sem respeito, reciprocidade e o escambau, resolvi me dar prazer e alegria”, foi assim que Jô se apresentou no perfil do Facebook da BBC News Brasil ao comentar em uma reportagem sobre mochileiras aos 60 anos. Ela também queria ser inspiração.
Inspirando e ensinando a como viajar (sozinha!)
No diário de viagem da rede social, as mensagens de pessoas que cruzaram o caminho de Jô se misturam com as dos que ficaram no Brasil: “imenso prazer de te conhecer”, “espero que um dia nos reencontremos”, “quero ser você quando crescer”, “musa inspiradora”. “Há muita vida fora dessa caixinha que chamam de lar. Avô não foi feita para cuidar de neto”, diz a cearense, destacando que não acha justo ver mulheres receberem os filhos e netos de volta em casa após casamentos desfeitos.
A reinvenção de Jô também veio para o tipo de viagem. Saíram de cena hotéis caros, malas de rodinha e entraram mochilas, albergues e quartos coletivos. O ambiente, geralmente mais jovem e de interação, estimula o contato com viajantes, mesmo que seja a partir de um inglês “capenga”. No Camboja, por exemplo, ela fez amizade com uma congolesa que sabia falar português e leu o que estava escrito em sua camisa: “Como se escreve felicidade? Viajar”.
Também encontrou em um dos muitos companheiros de viagem, o português Victor, um encantamento “passageiro”. Mas salientou: “Não tenho mais pretensão de ter uma pessoa. Tenho amizades que partem para o encantamento e namoro. Mas meu lema é ’eles passarão, eu passarinho’”, citando a poesia de Mario Quintana. Com Victor, rodou o Camboja e o Vietnã de moto, o meio de transporte mais comum por lá.
Para os filhos que ficaram, a preocupação com a mãe aos poucos foi se dissipando, na medida em que ela ganhava mais experiência pelo mundo. Jô já perdeu celular no Quênia, passou por situações de assédio no metrô de Nova Delhi, na Índia, e chegou a ficar dois dias sem dar notícia. Mais tarde, os filhos souberam que ela estava com novos amigos num acampamento de beduínos nas margens do Mar Morto e, por isso, sem conexão.
A cearense, entretanto, minimiza sua coragem: “O segredo é você acreditar nas pessoas. As pessoas não são más. Se não confiar, não vale de nada sair por aí sozinha”, aconselha. E Jô, enquanto mulher, não segue desacompanhada. De acordo com último levantamento sobre “intenção de viagem” divulgado pelo Ministério do Turismo, em 2017, 17,8% das mulheres brasileiras desejavam viajar sozinhas nos próximos meses — índice maior que a de homens (11,8%).
Um sonho antigo
Antes de se aposentar, Jô já dava sinais que iria ganhar o mundo. Sempre falava em viagens, gostava de ficar fora de casa e economizava dinheiro. “Eu não achava que ia se tornar realidade. Me perguntava o que tinha de errado com a vida dela: qual é o problema em ter raiz?”, dizia Lilith. Jô respondia: “Casa prende muito a gente”.
A cearense conta que passou a fazer economia de verdade a partir de 2008, sem revelar o quanto acumulou nos oito anos seguintes. Dois anos antes de iniciar sua saga, cortou todos os “luxos” e passou a viver, segundo a própria, de forma “franciscana”. Não saía mais aos fins de semana, cortou idas a restaurantes, a salões de beleza e gastos com roupas e outros bens materiais.
Certa vez, estava numa palestra e uma aluna a perguntou se ela estava precisando de dinheiro emprestado para pintar o cabelo. “Eu tinha que me acostumar com uma nova vida. Se eu queria viajar por aí, não iria mais tratar do cabelo. Então, fui encarando já essa realidade”. Com o aluguel do apartamento e a aposentadoria, a sua renda mensal chegou a R$ 8 mil, que usa integralmente nas viagens.
Durante a volta ao mundo, Jô também economiza. Carrega o próprio pó de café, tem uma jarra elétrica para fazer água quente, macarrão instantâneo e come bastante vegetais, evitando uma dieta com carne. Outra dica dela é: antes de entrar nos países, tentar ao máximo se acostumar com o valor da moeda, pesquisando a cotação, para não fazer maus negócios. “Não saio gastando. Não vou morrer se não fizer tudo turístico que tem numa cidade. Eu fico olhando as pessoas apressadas, mas eu sigo devagar”.
Jô gosta de relatar que, quando pequena, se sentia encantada ao ver a chegada de trens ou até de um pau de arara na cidade, com as pessoas carregadas de malas. “Era uma coisa linda. Eu dizia para o meu pai que eu queria ser ’passageira’ quando crescer”. Aos 57 anos, Jô cresceu e realizou o seu sonho.
Dar “a volta ao mundo” é ter contato com diferentes povos e costumes, o que pode nos causar um choque de cultura engraçado. Um viajante que conheceu mais de 50 países compartilhou conosco fotos de coisas que não existem em qualquer lugar, incluindo uma árvore de dinheiro na Tailândia.