Como eu percebi que minha amiga me considerava a “última opção” e por que não farei mais o papel de salva-vidas de ninguém

Mulher
há 2 anos

O universo da Psicologia moderna possui um vasto material sobre relacionamentos tóxicos e destrutivos entre casais. Entretanto, se fala relativamente pouco sobre amizades com esse perfil. E sabemos que, da mesma forma que terminar com um amigo ou namorado, romper uma relação de amizade pode ser algo extremamente doloroso.

Meu nome é Olga e, especialmente para o Incrível.club, estou pronta para compartilhar a história de uma amizade bastante exaustiva e que hoje, felizmente, faz parte do passado. Espero que, graças à minha experiência, você possa ver quem está ao seu lado: um amigo de verdade ou uma pessoa de quem precisa ficar longe.

Eram cinco e meia da tarde. Era o dia do meu aniversário. Mas eu não tinha força nem vontade de comemorar. Em primeiro lugar, estava com gripe. Segundo, tinha um monte de trabalho acumulado: um relatório trimestral, a revisão de documentos que deveriam estar prontos “para ontem”, um almoço do dia seguinte para preparar e, por fim, encontrar um pouco de vida pessoal em meio a dois empregos. Eu estava pensando exatamente nesta última pergunta, quando, de repente, o celular tocou. “Tácia” apareceu na tela. Atendi, ainda sem saber aonde aquela conversa levaria.

Anastacia (esse era seu nome) já havia sido minha melhor amiga. Crescemos no mesmo bairro, morávamos no mesmo prédio, íamos à escola juntas. As primeiras experiências da adolescência foram compartilhadas. Então, a vida nos separou por dez longos anos até que nos reencontramos em uma cidade grande. Mudamos muito ao longo dos anos. Mas sentimentos calorosos e nostálgicos por um passado comum nos prendiam com laços invisíveis.

“Querida, feliz aniversário!”, ouvi do celular. “Vou passar por aí depois do trabalho, ok?” Eu não tinha tempo para visitas. A cabeça estava explodindo por causa da febre, meu nariz estava entupido e uma pilha de papéis tediosos estava sobre a mesa, aguardando por uma revisão urgente. Aos meus firmes argumentos, ela respondeu decisivamente: “Relaxa, vou dar apenas um pulo aí para dar os parabéns. Bem, você realmente vai ficar sozinha no seu dia especial?” Achei seus argumentos razoáveis e concordei. “Ela não vai ficar aqui com uma pessoa gripada por muito tempo”, pensei.

Apenas 15 minutos depois, eu já estava sentada na cozinha ouvindo em silêncio a minha amiga do peito desabafar. A parte formal com os parabéns terminou rapidamente. Tácia nem teve tempo de passar a soleira. Meu apartamento instantaneamente se encheu com conversas nada festivas: sobre a sogra que sugou todas as forças morais, sobre o marido inútil, sobre o emprego sem perspectivas e sobre o chefe “explorador”. Parecia que todas as injustiças deste mundo haviam se unido para destruir barbaramente a vida de uma pessoa pequena e inocente.

Assim, uma hora se passou. Depois, duas. Três. A amiga não parava de falar. E, de repente, percebi que estava me sentindo “suja”. E tanto, que queria imediatamente tomar um banho. Como se jogassem um balde de água de esgoto em mim. Antes, eu já havia percebido os mesmos sentimentos: uma conversa à primeira vista despreocupada se transformava em um relato de fracasso cheio de negatividade. E então, de repente, tive uma epifania: na verdade eu era a “última opção” para ela.

Tácia nunca se interessou pelos meus desejos e necessidades. Ela não se importava se eu tinha tempo ou não, em como eu me sentia. Ela só aparecia quando era conveniente. Afinal, ela sempre tinha “problemas reais”. Nada a ver com meus “pequenos problemas diários”. É por isso que ela tinha o direito de ligar e escrever a qualquer hora do dia ou da noite, de entrar em minha casa quando quisesse e, por horas a fio, de falar sobre si mesma. Sem perceber a própria inconveniência. Como ocorreu naquela noite, quando eu, exausta de trabalho e de gripe, olhava aflita para o relógio, me lembrando de que, no dia seguinte, acordaria cedo. Na verdade, Anastacia não me ouvia há muito tempo. Ou simplesmente não queria ouvir.

A propósito, de presente de aniversário ela me deu um tapete surrado. Desdobrando-o, notei um enorme buraco queimado. Quando perguntei o que significava, ela respondeu, sem a menor sombra de constrangimento: “Decidimos dar uma repaginada em casa e este tapete não nos serviu mais. Mas vai servir para você. E o buraco é completamente invisível; com um pouco de criatividade, você pode escondê-lo.” É claro que aquele presente não faria sentido na minha decoração.

Já me esqueci da última vez que falei com ela sobre mim. Todas as nossas conversas, de alguma forma, se tornavam uma discussão sobre sua vida, que, em termos de intensidade de paixões, parecia uma novela mexicana. A sogra maquiavélica colocava os parentes contra ela; o marido insensível se recusava a comprar o último modelo do iPhone; o chefe a atormentava com tarefas sem sentido. Eu estava sentindo uma certa simpatia, até que ela soltou: “Eu queria muito trocar minha vida pela sua! Você não tem ninguém: sem marido, sem sogra. Você vive para si mesma e não conhece os problemas.” Quando ela disse essa frase, um calafrio desagradável desceu pelas minhas costas.

Percebi que há muito tempo não compartilhava com ela qualquer acontecimento de minha vida, nem bom nem ruim. Na verdade, ela não perguntava. Só falava de si mesma. Uma vez, tentei contar a ela sobre meus problemas: a família estava em uma situação difícil e eu precisava de um apoio amigo. Fui interrompida no meio de uma frase. Ela disse: “ah, não vamos falar de coisas ruins. A propósito, eu estou com um problema...”

As notícias boas também não deram certo. “Passei em uma entrevista em uma grande empresa”, contei. E ela: “eles contratam todo mundo”. Mudei de assunto, ainda no terreno das boas notícias: “conheci um cara interessante” e mostrei a ela. E a resposta dela: “não é muito feio, claro, mas o nariz dele parece um bico de águia”. Eu: “comprei um vestido novo”. Ela: “quanto é que você pagou?! Nossa, eu pedi o mesmo no site por 50 reais”. E, afinal, a preferida dela: “Não se ofenda. Mas quem, além de mim, vai te dizer a verdade?”

Uma vez, estávamos andando pela rua quando, de repente, nos chamaram. Eu me virei e vi um ex-colega da escola. Não nos víamos havia sete anos. Assim que ele perguntou como eu estava, a amiga começou a contar que eu trabalhava no caixa em um supermercado e mal conseguia pagar as contas. Apressei-me em interrompê-la, dizendo que, na verdade, já fazia vários anos que trabalhava como economista em uma empresa famosa. Mas o cara estava claramente confuso e não sabia em quem acreditar. Quando perguntei por que ela tinha inventado aquilo, Anastacia respondeu que só queria fazer uma piada e que eu parecia ter problemas de humor. “E problemas para escolher amigos”, acrescentei mentalmente.

A sensação de que nessa amizade eu estava dando mais do que estava recebendo, não me deixava. Mas eu imediatamente a bloqueava: não é certo fazer algum tipo de avaliação da amizade. “Preciso de ajuda com tradução, você é muito boa em inglês. Não custa nada para você!” Ou: “você pode fazer um relatório para mim? Você é economista”. Ou ainda: “tem um conselho de como lidar com meu marido? Além de você, eu não tenho ninguém para contar.” E é claro que eu ajudaria, aconselharia, pegaria em sua mão. Afinal, éramos amigas, não? E é exatamente isso o que os amigos fazem. O único fato alarmante era que, nas minhas raras recusas (que às vezes aconteciam), Tácia se enfurecia: “Você entende que eu contava com você? Além de você, não há ninguém”.

A energia gasta com as emoções é algo impossível de mensurar, porque é intangível. O apoio não pode ser tocado, provado, medido com uma fita métrica ou pesado em uma balança. Mas, eu estava contribuindo de alguma forma com aquilo, mesmo que não fosse mensurável. Estava por perto ouvindo, balançando a cabeça, murmurando algo em resposta! Por menos que fosse, deve ter feito a diferença na vida dela. É estranho cobrar da pessoa próxima por empatia e acolhimento. Mas, às vezes, isso precisa ser feito para perceber a tempo se você fez o papel de "ouvido amigo"— aquelas situações em que esteve presente e se ofereceu para ajudar.

Anastacia finalmente começou a se arrumar para ir embora. Os desabafos de seu “amado” marido e de sua “amada” sogra chegaram ao fim. Isso quer dizer que não havia nada mais para fazer em uma “festa de aniversário”. Ela pediu um pedaço de bolo para viagem e avisou que ligaria no dia seguinte. Eu balancei a cabeça obedientemente, quando de repente, inesperadamente para mim mesma, soltei: “Não ligue, eu não vou atender. Eu não quero mais ser um ’lenço’ para você.” Tácia orgulhosamente zombou de mim e saiu. Eu tranquei a porta, tomei banho e percebi: às vezes se livrar da ilusão da amizade é o melhor presente de aniversário.

Você já se decepcionou com uma amizade? Ou tem alguém cuja cumplicidade e lealdade sobreviveu a todas as provas?

Comentários

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Conheço uma dezena de pessoas assim que só querem falar e dizem ser seus amigos, tô fora

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Amizade eh uma coisa bem complicada, eu já tive de todo tipo, das interesseiras, das ótimas, das volúveis 😐

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Eu não consigo ter amigos por isso mesmo , acho as pessoas superficiais demais 😉

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Tenho uma pessoa assim,evito ao máximo,so fala dela e dos problemas dela.nem falo mais nada quando me procura.

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