Nem sempre dividir: como evito obrigar meus filhos a compartilhar tudo
“Egoísta”, “guloso” — quantas vezes usamos essas palavras para provocar colegas que não queriam dividir um brinquedo, um livro ou até uma guloseima na escola? Aprendemos que bondade e generosidade são qualidades essenciais, mas algo igualmente importante fica muitas vezes de lado: a habilidade de estabelecer nossos próprios limites pessoais.
No parquinho ou passeando na casa de amigos, é comum ouvir os pais dizerem a seus filhos: “Deixe ela brincar com a boneca também” ou “Divida a bola com o amigo, você já é grandinho!” Frequentemente, os adultos acabam passando por cima dos desejos dos pequenos, achando que, assim, eles estão os ajudando a fazer amigos. Outros parecem apenas buscar a aprovação dos pais ao redor, como se compartilhar fosse uma regra social e as crianças precisassem ser “boazinhas” para agradar os outros.
Na minha infância, eu sempre dividia os brinquedos que levava para brincar na rua. Até que um dia, minha tia veio nos visitar com a filha dela. Eu tinha 7 anos, e a Vitória, 5. Logo que chegou, ela se interessou pela minha boneca favorita — uma noiva com um vestido de casamento. Mesmo com o coração apertado, deixei ela brincar com a boneca. Mas, na hora de ir embora, minha prima agarrou o brinquedo e gritou: “É minha!” Tentei pegar de volta à força, mas minha mãe me segurou firme pelos ombros e disse à Vitória: “Pode levar! Ana já é mocinha, daqui a pouco vai para a escola e não vai mais brincar de boneca!” Ah, como eu chorei! E minha mãe, em vez de me consolar, só falou, irritada: “Nunca pensei que você fosse tão egoísta!”
Essa situação da boneca me marcou por mais de 30 anos, e até hoje me sinto triste por ter passado por isso. Agora que sou mãe, não consigo nem imaginar tirar algo que é especial para o meu filho para dar a outra pessoa.
É importante ouvir seu filho, claro, mas nem tudo é tão simples assim.
Uma vez, meu pequeno foi convidado para a festa de aniversário de sua “namoradinha” da escola na época. Camila estava completando 6 anos, e os pais alugaram um salão de festas infantil e contrataram uma animadora. No começo, a garota ficou com raiva e começou a bater os pés porque a animadora, vestida de princesa, brincava com todas as crianças, e não só com ela. Foi um desafio conseguir fazer qualquer brincadeira divertida, apesar dos esforços da pobre animadora. Depois, quando trouxeram um bolo temático lindo de unicórnio, a menina gritou: “Não quero que cortem! Ele é meu!” Os pais dela só deram de ombros: “Ela é assim mesmo!” E ficou por isso: os convidados foram embora sem provar o bolo de aniversário. Nunca mais fomos a uma festa da Camila.
Por um lado, os pais da garota têm razão em não obrigá-la a dividir tudo quando ela não quer. Porém, por outro, se convidaram as pessoas, deveriam respeitá-las também e considerar que elas fazem parte da celebração. Esse caso só reforçou minha certeza de que todo extremo é complicado — o ideal é buscar um meio-termo.
- Quando eu era criança, tinha um carro de controle remoto incrível. Um dia, a amiga da minha mãe veio nos visitar com a filha. Bastou eu me distrair por um instante, e a menina quebrou meu carrinho preferido em pedaços. Fiquei furioso, gritei com ela, mas ela só ria. Exigi que a mãe dela comprasse um novo para mim. Todo mundo ficou em silêncio. E então minha mãe soltou: “Ele já estava quebrado. Você não estava cuidando direito”. Fiquei sem reação, e as três foram tranquilamente tomar chá na cozinha. Até hoje, sou super cuidadoso com minhas coisas e ensino meu filho a não compartilhar nada se ele realmente não quiser. © xMIXERx / Pikabu
- Tenho uma mãe maravilhosa, mas com uma visão muito peculiar das coisas. Quando passei dos 11 anos, ela decidiu que os meus bichos de pelúcia poderiam ser doados para a escolinha — sem nem me perguntar. Eu tinha um cachorro de pelúcia predileto que lembro até hoje! Sempre fui generosa, emprestava brinquedos e jogos de videogame (alguns, inclusive, nunca voltavam). Na escola, criei uma regra para mim. Se pegavam algo sem pedir, eu explicava que não era assim que se fazia e pegava de volta. Se pediam com educação, eu emprestava sem problemas. Creio que o que mais me irritava era essa ideia de que as pessoas achavam que eu estava sempre disposta a compartilhar tudo. © DarhAra / Pikabu
- Minha mãe, ao contrário, me ensinou a não compartilhar, mas isso não ajudou muito. Deixei de brincar com muitos brinquedos de amigos ou de trocar coisas por causa desse meu comportamento. Felizmente, com o tempo, isso mudou, e hoje ensino meu filho a compartilhar apenas se ele realmente quiser. © GlafiraVrungel / Pikabu
- Quando criança, eu era uma garota muito gentil e sociável. Com uns 3 ou 4 anos, resolvi levar minha boneca favorita, a Linda, para a escolinha para mostrar aos meus amigos e deixar os outros brincarem. Ela tinha a cabeça e os braços de plástico, mas o resto era todo de pano. Como eu era uma menina generosa e nada egoísta, quis compartilhar. Pois bem, nunca mais vi a Linda inteira novamente. Ela foi despedaçada pelas outras crianças, digamos, um pouco menos cuidadosas. E agora que cresci, o que vocês acham: será que emprestei minha câmera profissional para um conhecido que ia viajar? © Autor desconhecido / Pikabu
- Acho que eu era uma criança meio “fora do padrão”. São apenas coisas, afinal. Se alguém queria brincar, deixava à vontade. Até dava doces para as crianças da rua pela janela do nosso apartamento no primeiro andar. E até hoje não entendo muito essa coisa de “É meu!” São só coisas. Por que essa obsessão consumista? © Wintersun01 / Pikabu
Infelizmente, muitos pais sequer explicam aos filhos que, antes de pegar algo dos outros, é preciso pedir permissão, e se a resposta for um “não”, aceitá-la com tranquilidade. Parece até que seus filhos são o centro do universo, e as outras crianças devem simplesmente lhes entregar tudo quando quiserem.
- Minha filha tinha por volta dos 4 anos quando comprei para ela um conjunto de balde com pá de brinquedo lindo. Um dia, ela estava brincando no parquinho quando chegou uma avó com a netinha, que devia ter uns 2 anos. A menina mais nova logo tentou pegar a pá, mas minha filha segurou firme e não deixou. A senhora começou a repreender minha pequena, dizendo que ela era uma garota egoísta, e a pequena começou a chorar. Me aproximei da avó e, calmamente, falei: “Me dê seu celular. Esqueci o meu e quero mexer na internet”. Segue nosso diálogo:
— Você está bem da cabeça? Claro que não vou te dar meu celular.
— Por quê? A senhora é egoísta?
— Moça, como assim, por que eu deveria te dar meu celular? Nem te conheço!
— Então por que está chamando minha filha de egoísta e pedindo o brinquedo dela?
— Ah, é só uma pá!
— Mas é a pá dela, com a qual ela quer brincar sozinha e não tem obrigação de dividir com ninguém.
A avó ficou furiosa, pegou a neta chorando e saiu, dizendo: “Vamos para outro parquinho, Mônica, essas mães estão cada vez mais sem noção!” Confortei minha filha, a elogiei e expliquei que ela não precisa dividir suas coisas se não quisesse. Mas também não deve chorar se outra criança não quiser emprestar o que é dela. Ou ela troca de brinquedo por um tempo, ou aceita que nem sempre vai poder brincar com o que quer. © TotalFrustration / Pikabu - Estava com meu filho em um hotel temático infantil. Os quartos eram projetados pensando nos adultos e crianças, o que era muito prático. Os pequenos saíam para brincar pelas instalações, cada um com seus brinquedos. Um dia, um dos meninos perdeu um carrinho. Procuraram em todos os lugares, perguntaram para todo mundo, mas ninguém tinha visto. Passaram-se alguns dias, e o menino que havia perdido o carrinho entrou no quarto de outra criança para chamá-la para brincar e encontrou seu brinquedo perdido. Sabe o que a mãe disse? “Ninguém tinha que ter entrado de repente no nosso quarto, iríamos devolver depois que meu filho tivesse abusado dele”.
Eu ensino ao meu filho que ele não é obrigado a compartilhar suas coisas e brinquedos com os outros. “Se você não quer, basta dizer ’não’. Mas esteja preparado para que ninguém se sinta obrigado a compartilhar com você também”. Por enquanto, com 8 anos, ele entende bem. Vamos ver como será no futuro.
Se por um lado, muitas vezes não ensinamos nossas crianças a delimitarem seu espaço pessoal, por outro, alguns pais simplesmente esquecem de ensiná-las a ter limites. Aqui você pode conferir alguns insights que mostram o impacto real da falta de orientação. Às vezes, dizer “não” ensina mais do que qualquer conversa, e estabelecer limites é um ato de amor que ajuda a construir uma base sólida para o futuro do pequeno.