“Enquanto eu falar e andar, estarei trabalhando.” As razões pelas quais Fernanda Montenegro não se vê aposentada, até mesmo após os 93 anos
Filha de operários e neta de imigrantes, Fernanda Montenegro não só se consagrou como uma das maiores atrizes do país, como também foi eleita a mulher mais admirada pelo povo brasileiro. Não é à toa, visto que seu talento transpassa os muros nacionais e ela já chegou a ser, inclusive, indicada ao Oscar e ao Emmy, duas das premiações mais prestigiadas do mundo. Abaixo, você confere os detalhes por trás da vida desse ícone que conquistou os corações tupiniquins!
Fernanda não nasceu em berço de ouro, é filha de operários e neta de imigrantes
Ao contrário do que se costuma acreditar, nem todas as celebridades nascem em famílias ricas. Algumas, constroem suas carreiras do zero, com muito esforço e dedicação — é o caso, portanto, de Fernanda Montenegro. Filha de operários e neta de imigrantes, esteve nos palcos pela primeira vez quando tinha apenas 8 anos de idade, para participar de uma peça da igreja. E, desde então, não parou mais. Aos 15, estreou como locutora na Rádio Ministério da Educação e Cultura, onde permaneceu por cerca de dez anos, mas como locutora, escritora e atriz de radioteatro.
Foi nessa época que Arlette Pinheiro Monteiro Torres virou “Fernanda Montenegro”: “Tinha uma curtição, um humor dentro do sobrenome, parecia uma coisa a la século XIX. Eu redigia como Fernanda Montenegro e era locutora como Arlette Pinheiro. E a Fernanda Montenegro pegou”. Em 1950, estreou no teatro, e somente um ano depois, foi contratada pela TV Tupi, consagrando-se, inclusive, a primeira atriz da emissora. Para além, a menina que nasceu no bairro “Campinho”, na zona norte do Rio de Janeiro, hoje, coleciona em seus mais de 70 anos de carreira, cerca de 80 peças, mais de 30 produções na TV, inúmeros filmes prestigiados, e prêmios de renome, como o Emmy Internacional, e até uma indicação ao Oscar. Um verdadeiro sucesso, não?
Não viu a vida mudar “da noite para o dia” após ingressar na vida artística. Casou-se, inclusive, com um vestido emprestado de uma amiga muito conhecida
Aos 23 anos, Fernanda já ganhava o público com o seu enorme talento e, na mesma idade, casou-se com Fernando Torres — um amor que durou 58 anos e gerou dois filhos. Na época, no entanto, o casal não ganhava bem o suficiente para arcar com todas as despesas de uma festa de casamento. Apesar disso, não há um ditado que diz: “Quem tem amigo, tem tudo”? Então, Eva Todor, outro ícone da teledramaturgia brasileira, foi quem emprestou o vestido usado por Fernanda, e ajudou, portanto, a fazer com que a cerimônia acontecesse.
Todavia, quando se vive uma grande paixão, parece ser possível olhar para trás e perceber que todas as dificuldades, com o tempo, tornam-se meros detalhes. Afinal, Fernanda relembra os momentos ao lado de seu falecido esposo com muita ternura: “Firmamos um pacto de fidelidade, que deveria se manter até onde desse. E deu! No meu caso, deu. Todas as minhas fantasias extraconjugais resolvi em cena, sem qualquer frustração (...) Fernando, formamos uma família, querido amor da minha vida. Querido amor de uma vida. Saudades eternas”. Quanta fofura!
Mesmo com a carreira consolidada, também enfrentou dificuldades financeiras quando se tornou mãe
Também é comum que imaginemos que artistas com a carreira aparentemente consolidada não passem mais por inconstâncias financeiras. Contudo, Fernanda Montenegro mostra que essa nem sempre é a realidade — em entrevista, contou que o período após ter a sua segunda filha, a também atriz Fernanda Torres, foi um tanto quanto complicado economicamente, mas que a arte, como sempre muito oportuna, salvou-os da crise pela qual passavam.
“A situação financeira era desesperadora e desesperada”, comenta. E reitera, bastante emocionada, que foi uma peça francesa do século XIX, na qual o companheiro trabalhou, e que teve ela própria como protagonista, que mudou tudo: “Essa peça nos salvou da desgraça econômica”. Quanto à maternidade, deixa claro que é uma das coisas mais valiosas que tem na vida: “É um amor que transcende, o que temos de mais bonito (...) Todas as mães procuram suprir as mais diversas necessidades dos filhos, nas mais diversas idades. Sejam elas com os cuidados mais primitivos nos primeiros anos de vida, ou amparo emocional por toda a vida adulta. O que temos hoje nos mostra realmente o que é importante, o que temos de mais valioso...”
Se aconteciam acidentes no set de filmagens, a gravação não parava: Fernanda dava um show de improvisação!
Para alguns atores, um erro durante as gravações de uma novela ou filme significa ter de repetir uma cena inteira. Para outros, entretanto, esses deslizes não parecem ser um problema, pelo contrário — eles dão a oportunidade de mostrarem que são muito bons no improviso, dando continuidade ao registro e, na maioria das vezes, fazendo com que o resultado final seja tão bom, que os telespectadores nem sequer percebam que se trata de algo fora do roteiro. A dama da dramaturgia brasileira, Fernanda Montenegro, é um perfeito exemplo de quem domina a arte da improvisação.
Em uma das cenas de O Dono do Mundo, novela exibida pela Rede Globo, por exemplo, uma lâmpada explodiu, enquanto Fernanda contracenava com Leticia Sabatella e Antonio Calloni. No take, os três conversavam num cômodo até que o estouro acontece. Com isso, enquanto os demais atores perdiam a concentração por alguns segundos, Fernanda contornou a situação e agiu com naturalidade para, ao mesmo tempo, incorporar o fato inusitado da cena, e também conseguir tranquilizar os seus colegas de profissão. Uma desenvoltura digna de uma mestra, não é mesmo?
Adaptação é o seu sobrenome: talvez muitos não tenham notado, mas ela viveu uma personagem não gestante quando estava grávida de 8 meses
Uma das coisas que fazem a carreira de uma atriz ou ator ser grandiosa é a sua versatilidade para se adequar aos mais diferentes papéis, mesmo que as condições sejam as mais peculiares possíveis. Não obstante, no caso de Fernanda, “adaptação” parece ser o seu sobrenome. Em 1963, a atriz participou de A Morta Sem Espelho, a primeira novela noturna gravada no Rio de Janeiro, assinada pelo renomado autor Nelson Rodrigues. E, o que poderia ser apenas mais um trabalho, tornou-se um exemplo do ecletismo que Fernanda tem em sua arte.
Mesmo grávida de 8 meses, ela trouxe à vida a personagem em questão, que no momento não passava por um período gestacional. Na época, não existiam tecnologias capazes de fazer com que a sua barriga diminuísse consideravelmente, e de forma que parecesse natural para o telespectador. Por isso, para disfarçar, a produção passou a enquadrar a atriz, que dava um verdadeiro show de atuação, do pescoço para cima. Genial, né?
Não à toa, já foi homenageada de muitas formas: com canções, poemas e peças
Tendo representado a força artística do Brasil há mais de 70 anos, não é incomum que Fernanda Montenegro tenha sido a inspiração para muitos autores, musicistas, poetas, e por que não, produtores de TV? Em 2014, por exemplo, a eterna “Paola Bracho”, a atriz Gabriela Spanic, interpretou uma advogada chamada Fernanda Montenegro na novela mexicana Siempre Tuya Acapulco, o que nos faz questionar se seria uma referência à nossa querida Arlette Pinheiro, já que as produções, tanto do Brasil quanto do México, costumam ser comercializadas entre os dois países.
No âmbito da literatura, tem um cordel feito pelo poeta Bráulio Bessa em sua homenagem, enquanto na música, foi a “musa inspiradora” de muitas canções eternizadas no imaginário popular. Em Mulher da Vida, que ficou conhecida na voz de Simone, Milton Nascimento honra a amiga de forma delicada e bastante afetiva. Já Erasmo Carlos, ao lado de Celso Fonseca, engrandece, na canção Nanda, a figura dela, que foi a primeira mulher a ocupar a Cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras — Em entrevista, o cantor conta: “Fernanda traz as facetas de uma mulher que representa outras, há várias mulheres na Fernanda. Por isso é que eu digo na letra: “Gosto de todas você”.
Para ela, a velhice é uma questão secundária na vida. E as rugas, as marcas de sua história
Há quem acredite que, após os 90 anos, algumas pessoas ficam excessivamente indispostas e param de trabalhar. Ledo engano. O amor pelo que se faz, na maioria das vezes, é que é o responsável por manter esses indivíduos tão ativos. Apesar de ser nonagenária, Fernanda Montenegro é a prova viva disso. Para ela, a aposentadoria é uma realidade distante: “Enquanto eu falar, andar e concatenar meus pensamentos, estarei trabalhando. Tem uma hora que deverá começar a falhar, entendeu? Até lá, vão ter que me aguentar!” Além disso, afirma que a velhice não é algo a ser idealizado, nem depreciado. Por isso, não a celebra nem a lamenta, mantém a questão como secundária: “É da natureza e ponto, vamos tocar a vida. (...) Se a velhice tem (um lado bom), é a memória. Se ela permitir a memória, essa é a sua vida. Fui beneficiada pela minha constituição”.
Quanto à aparência, conta que aprecia o poder do tempo sob o seu corpo e rosto: “Tenho minhas rugas, minhas bolsas, meus papos, tudo bem — e toda a minha história construída. Se eu não tivesse essa cara que eu tenho eu não teria feito a Picucha. Eu não teria feito a Dora do Central do Brasil. Eu não teria feito uma série de papéis extraordinários de mulheres da minha idade, porque é graças ao que o tempo fez na minha cara, no meu corpo. Então, isso é um ganho”. E ainda reitera que as pessoas não devem temer a chegada da idade avançada: “Não tenha medo, vai chegar. Pegue esse terror, ponha fora de você e veja o ganho que teve na vida. A velhice me deu um conhecimento melhor de mim mesma. A avaliação das coisas pelas quais eu passei”. É mesmo uma figura na qual vale se inspirar, sobretudo, ao analisar sua sabedoria e experiência, não é?
Há alguma novela ou filme que a Fernanda tenha participado que marcou a sua memória? Conte o que você acha sobre a atriz na aba dos comentários! 😊