E se tivéssemos uma festa todos os dias?
As férias chegaram. Feliz da vida, você corre pra casa, veste sua melhor roupa e se manda para a do seu amigo. É uma grande casa de campo. Você passa por um portão largo decorado com luzes. Dá até pra ouvir a música que está tocando lá dentro.
Então entra e se depara com uma sala espaçosa. Tem uma banda de rock tocando no palco. E um monte de gente bem-vestida, todos estão dançando, conversando, tomando coquetéis e comendo pizza.
Você sai para os fundos do local e lá está ainda mais divertido do que dentro! Tem um monte de pessoas pulando na enorme piscina, brincando com bola. O DJ está tocando músicas animadas... essa é a melhor festa da sua vida! Você conhece caras e garotas legais, conversa com todos, dança, come e bebe.
A banda de rock está tocando músicas legais, e quando você se cansa de dançar, cai na piscina para relaxar. No meio da noite, os fogos de artifício colorem o céu.
Amanhece. Você nem se lembra de como adormeceu, mas está em um dos quartos do casarão. A música ainda está tocando... você abre a porta, desce, e... a festa ainda está a pleno vapor! A banda de rock ainda está tocando, e tem um monte de gente dançando na sala.
Você vai para o quintal da casa e pula na piscina para acordar o corpo. O plano era acampar hoje, mas como a festa ainda não acabou, bóra ficar. Música, gente, piscina, comida, coquetéis, dança... a noite cai de novo, e...
Amanhece. Você ouve a música de novo. Ao descer, se depara com a mesma banda tocando, mas os músicos parecem exaustos. Há latinhas de energético espalhadas por todo o palco. Não tem ninguém da noite passada ali, mas há novos convidados.
Ninguém está nadando na piscina, pois está chovendo lá fora. O DJ está dormindo sentado, e a música está tocando sem ele. Você já não está se divertindo. Depois de comer um pouco de salgadinho e refrigerante, resolve ir pra casa para tomar um banho.
Enquanto caminha pela rua, ouve seus vizinhos festejando também, mas não presta muita atenção. Em casa, abre o chuveiro, mas a água não sai.
Parece que aconteceu algum problema, e o bairro inteiro está sem água. Você resolve voltar para a casa da festa para tomar banho lá.
Uma nova banda está tocando, e outras pessoas chegaram. Você finalmente consegue tomar banho, e decide ficar mais um dia ali. Alguém pede pizza e bebidas. Hora de comer e dançar.
Amanhece. Seus ouvidos ainda estão zumbindo com a música da festa. Você decide sair dali e nunca mais voltar. Mas ao descer, avista seu amigo no palco.
Ele diz que quem ficar naquela festa durante o ano inteiro vai ganhar um milhão de reais. Seu queixo cai com tamanha generosidade, e você resolve ficar.
Uma semana se passa. Seus ouvidos já se acostumaram com a música. A cada dois dias, a banda de rock e os DJs são substituídos.
Novas pessoas aparecem na casa, mas você também vê rostos familiares. Afinal, não é o único que está disposto a tentar ganhar um milhão.
Julho. Você caminha pela casa de pantufas, passando pela multidão que não para de dançar. Uma banda de rock está tocando, mas você não está nem aí — seus ouvidos estão protegidos.
Inclusive já pediu demissão do seu emprego, e está se acostumando com este estilo de vida festeiro. Limpou seu quarto, mas no fim da tarde alguns caras e garotas resolveram jantar lá. Com raiva, você sai e procura outro pra dormir.
Agosto. Você já conhece cada cantinho daquela casa que, a propósito, está se deteriorando a cada dia que passa. Estão surgindo rachaduras nas paredes, o teto amarelou, o chão está rachado e há sempre um mau cheiro no ar.
Em um dos quartos, você encontra torres enormes de caixas de pizza. E nem consegue olhar para elas — seu estômago já está sofrendo com todos esses lanches.
A piscina está suja, mas as pessoas ainda entram nela de vez em quando. Os DJs continuam se revezando, mas as músicas são sempre as mesmas. De repente, você se encontra com pessoas que estão ali há tanto tempo quanto você.
Elas não parecem estar muito limpas, há olheiras debaixo dos olhos, e os cabelos estão todos desgrenhados. Você se dá conta de que deve estar igual, e procura por um espelho — mas todos já foram quebrados.
Setembro. Andar pela casa se tornou um desafio — seus pés estão grudando no chão. Restos de pizza estão jogados por toda parte, mofando, e há ratos andando por lá.
Alguns convidados continuam dançando, outros dormem no chão mesmo, e há pessoas que estão carregando a TV para fora de casa. A festa já está ficando feia.
Na manhã seguinte, você acorda decidido a arrumar aquilo tudo. Então vai ao banheiro, encontra um mop e um balde, desce, e começa a limpar o chão.
Enquanto se movimenta no ritmo da música, as pessoas ao redor se juntam a você. Limpar em equipe é divertido também!
Depois, parte para a piscina, e tira todo o lixo de lá usando uma rede. Latas, caixas, restos de comida, roupas rasgadas, brinquedos e até uma dentadura. Em seguida, enche a piscina com cloro.
Você passa quase dois dias sem dormir, mas compensa — a casa ficou brilhando de tão limpa! Todos os quartos estão impecáveis, sem ratos, o ar está com um cheirinho bom, e até a banda está tocando instrumentos mais limpos.
Sem forças para ficar em pé, você desmaia sobre a cama, e adormece rapidinho. Então dorme quase um dia inteiro, e acorda com um grupo de pessoas invadindo o quarto. Elas dão risada, jogam lixo no chão e derramam bebidas. Você desce, e descobre que está (de novo) no meio de outra festa.
Todos estão dançando, comendo pizza... e acabando com a casa de novo. Ah não! Você sai de lá, frustrado. Isso é insuportável. Ainda restam 8 meses para o desafio terminar, mas sabe que não aguenta mais.
Ao sair de casa, se depara com outra festa. No meio da rua. As pessoas estão se divertindo e dançando. Tem música tocando por toda parte. Que diabos está acontecendo?!
Você vai ao supermercado mais próximo. As pessoas estão pegando tudo das prateleiras ao ritmo da música, conversando e dançando.
Ao correr para outra loja, vê o mesmo cenário. Bibliotecas, cafeterias, a prefeitura, escolas, ginásios — tudo se transformou em boates agora. Você pergunta às pessoas o que está acontecendo, mas a resposta é sempre a mesma: “Estamos apenas nos divertindo!”
Novembro. Você já aceitou que o espírito festivo atingiu o mundo todo. Fábricas, mercados, hospitais e lojas pararam de trabalhar, pois todo mundo só quer saber de farra. As ruas estão cheias de lixo. As pessoas parecem cansadas, mas sabe-se lá como, parecem felizes.
O sistema de abastecimento de água foi interrompido, e todo mundo toma banho no lago da cidade. Por sorte, ainda há comida disponível, e todos a compartilham entre si.
Janeiro. A neve está caindo, é inverno no Norte! Todos estão cantando. Os músculos das suas pernas ficaram mais fortes de tanto dançar. Não há mais músicas eletrônicas, pois a energia acabou. As bandas de rock tocam tambores e violões. Algumas até batucam em latas de lixo.
Você começa a pensar que está enlouquecendo. Faz sentido! Essas risadas sem motivo... e mesmo quando está sozinho em algum lugar, ainda escuta a música soar em seus ouvidos.
Março. A neve derreteu, e as pessoas continuam se divertindo. Elas parecem ter acabado de sair das cavernas. Quem está farto de dançar deixa a cidade, e se torna eremita. Na verdade, isso já virou moda.
Maio. Você já não sabe que ano, mês ou dia da semana é. Mas agora já é capaz de fazer fogo sem isqueiro ou fósforo, só com gravetos e pedras. Sabe também tocar música usando latas de lixo, além de caçar.
O tédio toma conta de algumas pessoas, e as faz demolir casas inteiras e montar em cavalos para vagar pela cidade. A impressão é de que passou a vida inteira festejando. Não foi tanto, mas essa farra certamente já dura décadas.
Você sobe até o telhado da casa mais alta e vê a cidade inteira se divertindo. Gritos e alegria, barulho de vidro quebrado. Quando se deita, olha para o céu. E pela primeira vez sente paz.
Junho. Do nada, tudo acaba. O clima de festança sumiu em um piscar de olhos e as pessoas abriram os olhos para as consequências daquilo. Mas o legal é que ninguém está chateado.
Todos estão super descansados. Ninguém sabe o que deu neles por tanto tempo — parece que o planeta simplesmente deu uma chance de relaxar e tirar uma folga daquela vida moderna cheia de compromisso e estresse.