E se a sua vida fosse um filme, mas você não soubesse
É isso, você chegou: eis o maior entretenimento de todos — o Cinema em tela cheia! Você passa por um corredor escuro, com uma tela grande e redonda, coloca um fone de ouvido e sente como se milhões de sensores estivessem se conectando aos seus neurônios. 3,2,1... e bam! Você se torna o personagem principal de um filme incrível.
É noite, e está na sua cama, se aconchegando no edredom para se proteger do frio. Então escuta barulhos sinistros, como se alguém estivesse arranhando as paredes. Aí se levanta da cama e sente a tensão crescendo no ar. Ao se aproximar do interruptor, se vira e dá de cara com uma figura assustadora logo atrás, bem ao lado da sua cama. Os traços dela estão escondidos pelas sombras, mas dá pra sentir a criatura o encarando. Você percebe que é um filme de terror, e acende a luz. O monstro desaparece. Quando apaga a luz de novo, o fantasma já não está mais lá.
Então escuta um uivo rouco. No teto, de cabeça para baixo, há uma senhora pendurada no lustre. Ela relincha como um cavalo, e pula em cima de você, que, com o coração acelerado, sai correndo do quarto e fecha a porta na cara dela. Ainda bem que é só um filme, senão teria tido pesadelos depois disso.
Você está na cozinha agora. Pela janela, dá pra ver os primeiros raios do sol que está nascendo. Tem alguma música animada tocando, mas não dá pra saber de onde ela vem. Há liquidificador, dois ovos e uma caixa de leite sobre a mesa. Você faz uma vitamina proteica e se dá conta de que já se vestiu com uma roupa de academia. Aí sai de casa, aumenta a música e começa a correr. Os prédios e ruas passam rapidamente. Que sensação boa! Ah, este deve ser um filme de esportes. Você está em ótima forma física, e pode encarar qualquer desafio tranquilamente. Mas sua alegria acaba assim que um prédio perto explode.
Você é jogado para longe, mas sai ileso, como qualquer herói de filme de ação sairia. Mais explosões acontecem ali perto, e você começa a correr para sobreviver. Uma SUV com janelas fumê surge na esquina, então você passa por cima dela e salta para cima de uma moto esportiva que está logo atrás do carro. Parece que ela estava ali, pronta, apenas esperando a sua chegada. Você dirige o mais rápido que pode, fugindo de uma perseguição. Logo atrás o asfalto está rachando, os carros estão sendo jogados para os lados como brinquedos, janelas estão se quebrando. À sua frente tem um caminhão gigante com uma prancha. Você afunda o pé no acelerador, a moto sobe na prancha, e você voa. Essa foi por pouco: uma explosão gigante acontece logo atrás. Você bate com a moto na janela de um prédio próximo, entrando nele, e salta para fora da moto.
Agora está em uma sala cinzenta, com móveis velhos. A janela na qual bateu está intacta, e cheia de gotas de chuva. Exausto e confuso, você anda de um lado para outro, e dá uma olhada na rua, lá embaixo. De repente, sente um impulso criativo. Nesse momento, percebe que há uma máquina de datilografar em um canto da sala. Aí se senta de frente para ela e começa a digitar loucamente. As palavras e frases saltam da sua mente e preenchem o papel em branco. Você tem absoluta certeza de que está escrevendo uma obra-prima. Na verdade, é tudo uma bobagem, mas não para o seu gosto. A tensão é tão forte que você começa a chorar. As horas passam em questão de segundos, noite e dia se alternam, e pouco depois já há uma pilha de páginas escritas sobre a sua escrivaninha.
Quando vai pegar o manuscrito, vê que ele está nas mãos de uma editora, que está lendo. Uma lágrima escorre no rosto dela, ela afirma que aquilo é algo inacreditável. “Mas de que vale isso?” você diz, “Este livro tirou tudo de mim”, mesmo sem ter ideia do que ele tirou, mas se sente desolado, pois está em um filme de drama!
Depois de sair da sala da editora, se vê na rua, bem no meio de um engarrafamento. Um homem abaixa o vidro da janela do carro e diz: “Ei, estranho, que dia, hein?!” Um ciclista passa, gritando: “Por favor, não pare e diga Uruuul!” E você se vê respondendo, “Não sei do que você tá falando... mas é incrível, tô dentro!”. Parece que agora você tem uma voz linda. E as pessoas ao seu redor saem de seus carros, cantando juntas.
Um papagaio que está em cima de um poste e outros pássaros também se juntam à cantoria. Todo mundo está dançando como se tivesse ensaiado a coreografia, e um caminhão de bombeiros joga água sobre a multidão. A música fica cada vez mais alta. “Você quer... você quer... viver para seeeempre aquiiiii! Nesta comédiaaaaa musicaaaal!” Uau! Que apresentação!
Você caminha por uma rua escura, tudo à sua volta fica em tom de preto e branco. Está usando um chapéu dos anos 50, e escuta a sirene de uma viatura policial, os gritos de alguém e o barulho de vidro quebrando. “Esta cidade... atolada na ganância e no engano...” — parece que você acabou de dizer isso em voz alta. Legal, agora está em um filme noir de detetive.
E está sentado, dentro de um escritório. Há um copo vazio e anotações espalhadas em cima da mesa. “17 de dezembro de 1954. Já faz dois dias que não durmo...”. Então, uma linda mulher surge na porta. “Detetive, preciso da sua ajuda”, ela diz. Você dirige um carro antigo pelas ruas em preto e branco da cidade, à noite. E percebe que não é um filme, e sim um trailer de um longa de detetive. A imagem muda para uma música intensa. Agora você está discutindo sobre alguma coisa com seu parceiro. Em seguida, está em meio a uma perseguição de carro.
Chuta uma porta: “Parado aí!” E vem o close de algemas sendo fechadas ao redor dos pulsos de alguém. A música fica mais intensa, e uma voz de locutor diz: “Este verão...”. Você joga um palito de fósforo aceso no chão, e tudo pega fogo. Notas de dinheiro caem do céu. E a próxima imagem o mostra andando debaixo de uma chuva pesada. As gotas caem do seu chapéu em câmera lenta. Você dá um sorriso enigmático. “Um detetive muito sombrio,” a voz diz, e o trailer acaba.
E assim o mundo volta a ter as cores de sempre. Você está passando por uma rua movimentada e vê uma casca de banana caída no chão. Se desvia dela e ouve risos. Não dá pra saber de onde eles vêm, mas vê dois vendedores de frutas ali perto. Um deles entrega algumas notas para o outro, pois acabou de perder uma aposta. O perdedor pergunta: “Era muito difícil escorregar e cair?” Você dá de ombros em resposta, e ouve mais risadas. É como se uma multidão de pessoas invisíveis o estivessem observando e rindo a cada movimento seu. É isso mesmo, camarada, você está em um seriado.
Uma vovozinha passa e escorrega na casca de banana. Felizmente, você a pega a tempo. O vendedor que venceu a aposta devolve o dinheiro, e de novo dá pra escutar os risos. “Sabe, querido, nestes meus cem anos, ninguém nunca me salvou de bananas!”, a vovó admite. As risadas por trás da cena ficam mais altas. Você se cansa daquilo e corre para dentro do supermercado mais próximo.
Enquanto caminha pelo corredor, enche seu carrinho de comida. Várias pessoas se aproximam por lados diferentes, e o fotografam com suas lentes gigantes. Uma delas está até deitada no chão se escondendo atrás das caixas de maçãs. Elas têm certeza de que você não consegue vê-las. Então, uma voz calma e agradável diz: “A sensação de fome nos faz colocar mais comida dentro do carrinho. No caixa, este ser humano entenderá que pode não ter dinheiro suficiente para comprar tudo isso”. Você concorda com a voz e volta com a caixa de achocolatado para a prateleira.
As pessoas com as câmeras o seguem à certa distância. “Agora, estamos vendo um ritual comum entre os humanos — ficar em uma fila para comprar comida”. Você certamente está em um documentário de vida selvagem agora. Nossa, então é isso que os animais sentem ao serem filmados...
Depois que sai do supermercado, de repente um terremoto faz tudo tremer. Todos estão gritando e há espaçonaves surgindo no céu. É uma invasão alienígena! Você entra em um carro preto e ele se transforma em uma nave espacial. Então faz manobras no céu, desviando dos ataques inimigos. As espaçonaves deles estão em seu encalço. Então, você pega o telefone e liga para seu filho adulto.
“Filho, eu nunca disse isso antes, mas te amo muito. Você é a coisa mais preciosa da minha vida. Nunca se esqueça disso”. “Pai, o que tá acontecendo? Pai?”, o filho pergunta, mas você desliga o telefone. Este é um filme de ficção científica com elementos dramáticos.
Sua nave entra no espaço sideral e você vê o planeta gigante dos invasores. Desvia dos inimigos e bate na central de comando deles. Uma explosão gigante ilumina o espaço. A humanidade venceu! Você é declarado um herói, mas ninguém sabe que conseguiu sair da nave no último minuto. Agora, vive uma vida tranquila com sua família em uma linda mansão.
E fim. Estrelando: Você. Em breve, nos cinemas.