Cresci em uma família rica e quero contar a realidade sobre nascer em “berço de ouro”

Histórias
há 4 anos

Nasci na família de um funcionário de governo do altíssimo escalão e desde criança era rodeada de luxo e atenção. As pessoas me chamavam de “nojentinha” e “esnobe” pelas costas, as crianças faziam piadas me chamando de “nariz empinado”, mas secretamente sonhavam em ter a minha vida. Poucos sabem, no entanto, a verdadeira realidade de nascer e crescer em uma família rica e quais são os impactos que isso causa no futuro. Certamente é muito diferente do você imagina!

Especialmente para o Incrível.club quero descrever em detalhes os pormenores de uma vida cheia de regalias e o que realmente precisam enfrentar 99% dos “riquinhos”.

Eu não podia estudar na mesma escola que os “mortais”, mas até mesmo na melhor escola da cidade eu era supervisionada 100% do tempo

Eu e meus avós morávamos em uma enorme casa no Interior e para estudar eu ia a um pequeno ginásio no centro da cidade. Eu adorava ir e voltar da escola em nosso Mercedes Classe G preto, pois me sentia como uma princesa. Mas já no colegial, os homens fortes de terno e óculos escuros (enquanto eu estudava, eles rodeavam o perímetro) conseguiram estragar a mágica.

Quando meus amigos (filhos de deputados e de homens de negócios) fugiam para conversar com seus colegas mais “comuns”, fumando cigarros e bebendo energéticos, eu passava a odiar tanto eles (esses colegas) como os meus guarda-costas por não poder fazer o mesmo. Tentava pular a cerca da escola ou me perder propositalmente na multidão na hora da saída, trocando os casacos com outras pessoas, mas os seguranças sempre me encontravam.

Alguns professores me amavam e outros pareciam ter a meta de dificultar a minha vida. Certa vez resolvi levar um pequeno presente para minha coordenadora e minha professora preferida: uma caixa de chocolates belgas. A professora de Matemática, no entanto, ficou ofendida por eu não ter levado nada para ela e entendeu aquilo como um insulto pessoal. Desde aquele momento, eu só tirei notas medianas e baixas na matéria dela, incluindo na prova final em que colei o trabalho de uma aluna que tinha tirado a nota mais alta.

Por outro lado, a professora de Geografia sempre gostou muito de mim: só me dava notas altas e sempre pedia parar ver minhas fotos de viagens, que eram muitas. Eu nunca precisei me esforçar muito, mas isso se voltou contra mim depois. Após me formar na escola, eu fui viajar pela Europa por um mês, onde encontrei turistas do Brasil. Nós conversamos muito e passamos momentos incríveis, até eu fazer a seguinte pergunta: “E como se diz isso em ‘brasileiro’?” Eles olharam para mim como se eu fosse uma alienígena e então me dei conta de que não sabia quase nada sobre os países que visitava, apesar de ter visitado muitos (um “oi” para nossa professora de Geografia!).

Quando criança, eu via meus pais 3-4 vezes ao ano

Meus pais sempre tiveram muitos negócios na Alemanha: eles não tinham tempo de me criar e, por isso, fui criada por meus avós, que moravam na minha cidade, assim como os seguranças que me levavam e buscavam da escola. Eu via meus pais somente nas férias. Normalmente viajávamos juntos para algum lugar e eu acabava sempre lamentando pela viagem ter sido tão curta. Uma vez, em Londres, escondi o passaporte da minha mãe: a ideia de não ir embora e morar com ela “para sempre” naquela cidade incrível parecia genial para o meu “eu” de 8 anos! Eu confessei o que tinha feito 6 horas antes do voo e foi a primeira vez que “conheci o cinto” quando cheguei em casa.

Meus pais sempre tentavam passar o Ano Novo comigo, mas uma vez não conseguiram: estavam lotados de trabalho para fazer. Em 2005, passei o final do ano com a minha governanta, mas, pelo menos, em Paris. No dia 3 de janeiro, meu pai e minha mãe vieram me visitar e trouxeram um presente maravilhoso — uma câmera Canon profissional que custava cerca de 1.500 dólares (o equivalente a 6.500 reais).

Quando meus pais faziam alguma coisa de errado, eles compensavam me dando algum presente caro, e aos 16 anos eu tinha diversas roupas de grife das últimas coleções e os aparelhos eletrônicos mais modernos e caros. Entendi rapidamente que presentes caros podiam resolver qualquer situação. Tudo bem. Agora, quando não tenho dinheiro para comprar algum presente, preciso pedir muitas desculpas com o coração apertado.

Minha juventude não foi feliz devido ao controle extremo

Eu não podia escolher o meu próprio grupo de amigos: poderia fazer amizade somente com as crianças da escola ou do bairro onde morava. Mas, uma vez, meu avô me levou para assistir a um jogo de futebol no estádio local. Eu não entendia nada do jogo, mas a atmosfera nas arquibancadas comuns me chamou muito a atenção (nós estávamos na área VIP). Eu tinha vontade de estar lá no meio das pessoas, vestindo um cachecol colorido e gritando em grupo: “Queremos gol!”

No intervalo, enquanto meu avô conversava ao telefone, me aproximei de um grupo de torcedores e elogiei a bandeira deles. Descobri também que foram eles mesmo que a pintaram. Eu estava em total êxtase! Nós conversamos um pouco e pegamos os contatos uns dos outros. Mais tarde, resolvi chamar os novos amigos para o meu aniversário. Quando Pasha e Vitória chegaram ao restaurante, os seguranças expulsaram eles do estabelecimento e a blusa com o símbolo do time que eles tinham levado para me dar de presente foi jogada no lixo pelo meu avô.

Por conta da falta de independência, aprendi a tomar decisões informadas mais tarde do que os outros

Só tive meu primeiro namorado aos 17 anos. Antes disso, eu não podia andar sozinha para nenhum lugar, mesmo com meus colegas de classe e, por isso, não chegava a flertar com ninguém. Portanto, quando comecei a namorar o filho de um fotógrafo de moda (nosso vizinho) imediatamente fui influenciada por ele. Pelo menos, nesse momento eu já podia ir ao cinema ou a algum parque de diversões com um rapaz de verdade!

Os seguranças, no entanto, sempre nos seguiam e não nos deixavam sozinhos por nenhum segundo, mesmo quando já estávamos nos despedindo ao lado de casa. Eu ficava extremamente envergonhada e irritada com aquilo e, por isso, quando meu namorado propôs uma fuga após a formatura, eu não pensei duas vezes e nós criamos um plano.

Durante o baile de formatura, os seguranças estavam mais relaxados e simplesmente aproveitando o espetáculo. Naquele momento, saí por uma porta dos fundos que poucos conheciam. Do lado de fora, meu namorado estava me esperando com sua Ducati e partimos para fora da cidade. Meu avô alertou a polícia e começou um verdadeiro tumulto na escola: eles começaram a me procurar por toda parte.

As festividades foram imediatamente interrompidas e os estudantes receberam seus diplomas e não puderam sair do ginásio até eu ser encontrada. Como presente de formatura, meu avô tinha preparado fogos de artifícios, que todos estavam ansiosos para ver. Mas, por conta do meu “sumiço”, tudo foi cancelado, o que me deixa com vergonha até hoje só de pensar. Após algumas horas, a 30 km da cidade, fomos parados por uma patrulha de trânsito e me levaram de volta para casa no veículo de polícia.

Depois de me formar na faculdade de Jornalismo, que meus avós escolheram para mim, comecei a trabalhar, mas logo depois me demiti

Meu avô se aposentou e foi morar em sua cidade natal na Alemanha, mas, antes disso, comprou um apartamento para mim no centro da cidade. Após a conclusão do curso, ele conseguiu um emprego para mim em uma redação local. Inicialmente achei aquela ideia excelente. Fiquei bastante entusiasmada quando soube que teria de não só sorrir para a câmera, mas também fazer viagens para locais remotos, desenvolver a arte do Jornalismo e ficar noites sem dormir montando histórias para as matérias.

A dinâmica na redação era estranha: éramos 4 pessoas e intercalávamos para levar almoço para todos. Primeiro, não via sentido naquilo e, segundo, nunca aprendi a cozinhar. Por isso, eu tinha de encomendar comida, botar nas vasilhas plásticas e levar para o trabalho, como se eu tivesse preparado. Após 2 meses, simplesmente resolvi não ir mais ao trabalho porque estava cansada de voltar para casa todos os dias às 22h00, levar comida semanalmente para todos e conversar com pessoas que, sinceramente, se esqueciam algumas vezes de tomar banho.

Eu não trabalhei por cerca de 2 anos e compensei o tempo perdido tentando descobrir o que queria fazer da vida

Eu finalmente me libertei e resolvi descobrir qual era a vida além da mansão do meu avô e das paredes cinzas do escritório. Decidi provar tudo daquilo de que queriam me “proteger”: dançar nas boates, festas fora da cidade, esquiar e até bungee jump eu tentei. Uma vez, fui a outra cidade assistir a um jogo de futebol com uma excursão de torcedores, mas fiquei muito decepcionada. O ônibus estava lotado de gente, as pessoas eram grossas e só falavam de futebol. Não sabiam conversar sobre nenhum outro assunto e aquilo me deixou muito entediada.

Não esqueci também da vida pessoal: muitos rapazes se mostravam interessados em mim e diziam que fariam de tudo para conquistar o meu amor. Para me entreter, resolvi testá-los e pensei em alguns “desafios”. Falei para um deles que para me conquistar ele deveria cruzar o país inteiro andando só de carona. Após passar por 4 cidades, ele desistiu e voltou para casa de trem, pois disse ter perdido os documentos. Para outro, eu pedi que pintasse os cabelos de vermelho e fizesse uma tatuagem nas costas inteiras. E outro eu simplesmente traí pois era um péssimo namorado.

Posso garantir que, em nome do dinheiro, as pessoas estão dispostas a comprometer os próprios princípios e fazer tudo o que for necessário. Por isso, não quis ter um relacionamento amoroso por muito tempo e preferi focar nas relações de amizade. Procurei fazer amigos na minha cidade natal: infelizmente não tínhamos muitos assuntos em comum para falar a respeito.

Eles estavam preocupados em saber como passariam o mês com o salário médio que recebiam, enquanto eu queria saber o que faríamos durante a semana: se iríamos comer em algum restaurante ou passear com cavalos. Agora eu tenho muito mais amigos fora do país: na Europa as pessoas estão menos preocupadas com os problemas recorrentes do dia a dia, também porque têm um nível de vida em geral mais elevado. Além disso, têm a cabeça mais aberta para conversar.

Agora tenho 27 anos e ainda não sei o que quero ser quando crescer

Meu avô morreu alguns anos atrás. Quando meus pais se divorciaram eu parei de receber dinheiro deles: meu pai foi morar em outro continente e minha mãe começou a dedicar toda a atenção ao seu novo marido e ao filho pequeno. Eles simplesmente “não têm tempo para mim”. Agora, vivo de uma forma totalmente diferente da de antes: viajo duas vezes ao ano, em vez de 4-5 vezes e não ando de SUV com motorista particular, mas sim de táxi normal.

Levo muito mais tempo cozinhando e com a limpeza da casa: por não ter mais empregada, precisei aprender com vídeos na Internet. Aprendi a cozinhar também com a Internet: dá para comer, mas não fica com o mesmo sabor do restaurante (nem de longe!). Por isso, sonho em me casar com um chef, para não me preocupar mais com isso.

Eu não tenho uma fonte de renda permanente, mas sempre entendi de moda e, por isso, ofereço de tempos em tempos acompanhamento para fazer compras com meus amigos “riquinhos” da cidade, mais ou menos como uma estilista. Não posso dizer que esse é o trabalho dos meus sonhos, mas é o meu ganha-pão. Tenho 27 anos e ainda não faço ideia do que quero fazer com a minha vida. A maioria dos meus colegas de classe já se casou, possui família e trabalha com aquilo de que gosta.

Recentemente, comecei a refletir sobre algumas coisas e notei que vivo de inércia e talvez não esteja vivendo a minha própria vida. Eu não conseguiria resolver esse problema existencial sozinha e, por isso, decidi desabafar para uma amiga que estudou Psicologia. Ela disse que por conta dos cuidados excessivos que tive na infância, meu amadurecimento estava acontecendo mais tarde do que o dos meus amigos de mesma idade. Espero chegar à etapa em que saiba quais os meus verdadeiros desejos e distinguir daquilo que os outros querem para mim. Tudo isso para conseguir ser feliz.

Como você acha que o nível de renda influencia a formação de personalidade de uma pessoa?
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