“A vovó não voltará pela manhã!” é uma história para qualquer época
O conflito entre gerações sempre existiu, independentemente do passar do tempo. Porém, é essencial valorizar os nossos avós, mesmo que seja difícil entender uma pessoa mais velha. Sendo eles mais sábios, sempre serão exemplos a serem seguidos. É uma verdade bem simples, mas que vale a pena lembrar.
A nossa equipe do Incrível.club gostaria de compartilhar uma história profunda e real sobre uma avó, e que sempre permanecerá atual, escrita por Valentina Oseeva.
— Ela está ocupando todo o apartamento!... — resmungava o pai de Carlinhos.
— Ela é uma pessoa idosa... — timidamente respondia a mãe. — Pra onde deveria ir?
— Ela já viveu bastante... — suspirava o pai. — O lugar dela é em um asilo!
Todos os moradores de casa, inclusive Carlinhos, consideravam a avó como uma presença inconveniente.
Ela sempre dormia sobre um baú. À noite, virava para os lados com muito esforço, e toda manhã acordava mais cedo do que os outros, fazendo barulho com os pratos na cozinha. Depois, acordava o genro e a filha:
— O café está pronto. Acordem! Tomem antes de sair, enquanto está quentinho... — e, em seguida, acordava o Carlinhos: — Levante, meu querido, está na hora de ir para a escola!
— Por quê? — respondia o Carlinhos morrendo de sono.
— Por que ir para a escola? Uma pessoa ignorante é cega e muda. Você quer se tornar uma delas?
Carlinhos escondia sua cabeça sob um cobertor, respondendo:
— Sai daqui, vó...
— Sogra, onde deixou minhas botas? — sempre perguntava o pai, na porta da casa. — Toda vez preciso procurá-las pelos cantos!
— Aqui estão, Rogério, tentei deixar em um lugar visível — corria a avó para ajudá-lo. — Ontem estavam sujas, por isso as lavei e as deixei aqui.
Quando Carlinhos voltava da escola, ele jogava seu casaco e a touca nos mãos da avó e a mochila com os livros na mesa, gritando:
— Vó, quero comer!
Ela parava de tricotar, arrumava rápido a mesa e observava o Carlinhos comendo, com os braços cruzados. Nessas horas, ele sentia inconscientemente que sua avó era uma das pessoa mais próximas de sua família. Ele contava histórias sobre suas aulas e colegas para ela, que o escutava com amor e muito interesse, dizendo:
— Todas as experiências podem ser positivas, Carlinhos: o bem é tão positivo quanto o mal. A dureza fortalece a pessoa, e o carinho faz sua alma florescer.
— Que suco bom você fez hoje! — comentava o garoto, puxando o prato, depois de comer bem. — Vó, você já comeu?
— Comi, sim, — respondia, acenando. — Não se preocupe comigo, Carlinhos, ainda tenho saúde suficiente e não passo fome, graças a Deus.
Uma vez, um colega foi visitar o Carlinhos. Ele disse:
— Bom dia, avó!
— Vamos! — Carlinhos o empurrou, sorrindo. — Não precisa cumprimentá-la. Ela é velha, já.
— Uma ofensa é tão fácil e dolorosa quanto um tapa — sussurrou a avó, ajeitando sua blusa e o lenço — mas é preciso encontrar palavras com muito cuidado quando se quer fazer um carinho.
Enquanto isso, na outra sala, o colega falou para o Carlinhos:
— Todo mundo está acostumado a cumprimentar minha avó. Tanto minha família quanto os outros. Ela é a chefe da família.
— Como assim? — Carlinhos ficou curioso.
— Bem, ela é velhinha... Educou a todos nos. Não se pode ofendê-la. Por que você trata sua avó assim? Vai apanhar do seu pai.
— Não vou! — desaprovou o Carlinhos, franzindo a testa. — Ele não a cumprimenta também.
Após essa conversa, eventualmente o garoto vinha até sua vó com uma pergunta:
— Nós ofendemos você? — E, ao mesmo tempo, repetia para seus pais: — Nossa avó é a melhor de todas, mas tem uma vida pior que a da maioria, porque ninguém cuida dela.
— Quem te ensinou julgar os seus próprios pais? — A mãe ficava surpresa, enquanto o pai ficava bravo. — Você ainda é jovem para isso.
— Vocês, bobos, deveriam estar felizes — comentava a avó, sorrindo e acenando. — O seu filho é seu apoio! Eu já vivi o suficiente, mas a sua velhice os aguarda. O que vocês destruírem agora, não retornará depois.
Carlinhos sempre olhava curiosamente para o rosto da avó. Ela tinha várias rugas: profundas e pequenas; finas, como fios; e largas, cultivadas durante toda a vida.
— Por que você é tão enrugada? — perguntava Carlinhos. — É porque já é muito velha?
— As rugas podem contar várias histórias sobre uma pessoa, meu anjinho, como um livro — respondia ela, refletindo. — O ressentimento e a miséria deixaram as suas marcas aqui. Quando enterrava os meus filhos e chorava, as rugas apareciam no rosto. Quando combatia a miséria, as rugas apareciam novamente. Quando o meu marido foi morto na guerra, muitas lágrimas caíram e muitas rugas permaneceram. Da mesma forma que uma grande chuva deixa marcas na terra.
Carlinhos escutava e ficava olhando no espelho com medo: ele já chorou muito, será que todo o seu rosto será coberto com esses fios?
— Cala a boca, avó! — ele resmungava. — Sempre fala bobagens...
Depois de algum tempo, a coluna da avó ficou curvada, ela começou a andar mais devagar e se sentava com mais frequência.
— Está começando a criar raízes — brincava o pai.
— Não ria dela por ser idosa — respondia a mãe, ofendida, enquanto dizia para a avó, na cozinha: — Por que você anda como uma tartaruga, mãe? Se eu pedir para você encontrar algo, não sei se vou ter tempo de esperá-la voltar.
A avó morreu antes do Dia do Trabalho. Ela estava sozinha, sentada na cadeira e tricotando. Uma meia estava no seu colo, não concluída, e um novelo — no chão. Parece que ela estava esperando por Carlinhos. Na mesa estavam preparados os pratos.
O enterro foi no dia seguinte.
Voltando para a casa, Carlinhos encontrou a mãe sentada na frente do baú aberto. Um monte de sucata estava empilhado no chão. Sentia-se um cheiro de coisas antigas. A mãe tirou um sapatinho laranja amassado e desembrulhou-o com cuidado.
— É meu! — exclamou ela, se debruçando sobre o baú. — É meu...
Uma caixinha de música fez barulho no fundo do baú, na qual Carlinhos sempre queria dar uma olhada. Eles a abriram. O pai tirou um pacotinho amarrado, que continha um par de luvas de frio para Carlinhos, meias para ele e um colete para a esposa, junto com uma camisa feita de seda, com aspecto antigo e desbotado e que continha desenhos, também para o neto. Bem no canto, eles encontraram um embrulho com uma anotação em letras maiúsculas. Semicerrando os olhos, o pai leu em voz alta: “Para meu neto, Carlínhos”.
Na hora, Carlinhos ficou pálido, retirou o pacotinho e saiu correndo de casa. Sentado na frente de um portão, que parecia tão desconhecido, ele ficou olhando para os rabiscos da avó por algum tempo: “Para meu neto, Carlínhos”. A letra “i” estava com acento agudo. “Não aprendeu!”, pensou Carlinhos. Tantas vezes ele explicava as regras de acentuação... E, de repente, apareceu a avó, como se estivesse viva. Ela estava calma, sentindo-se culpada por não ter aprendido a regra. Perdido, apertando o embrulho na mão, Carlinhos olhou para sua casa e caminhou ao lado daquele portão, que parecia desconhecido...
Ele chegou em casa só à noite, com os olhos inchados de chorar e os joelhos sujos de barro fresco. Ele colocou o pacotinho embaixo do travesseiro e, enrolado com a cabeça escondida no cobertor, pensou: “A vovó não voltará pela manhã!”