Uma mulher russa contou como é viver com um gondoleiro e mudar-se para Veneza

Crianças
há 4 anos

Oito de setembro de 2012... minha vida mudou para sempre. Sentada em um café veneziano, conheci um gondoleiro chamado Ângelo. Eu jamais poderia imaginar que aquele encontro levaria a mudanças tão radicais em minha vida, mais precisamente, a me casar e a morar em Veneza.

Especialmente para o Incrível.club, contarei como é ser a esposa de um gondoleiro veneziano, uma das funções mais antigas dessa incrível cidade da Itália.

Meu nome é Olga, sou russa e sempre amei viajar, mas nunca pensei seriamente em mudar de país. Mas o destino tem seus próprios planos, é claro.

Depois de conhecer Ângelo, começamos uma relação a distância: nos escrevíamos pelas redes sociais e fazíamos chamadas pelo Skype. Mas meu namorado temperamental decidiu que não podia continuar assim durante muito tempo e veio me ver na minha cidade, onde uma temperatura super baixa (- 20º C) e o processo de ser apresentado à minha família esperavam por ele. Foi uma dura prova em muitos sentidos.

Logo, comecei a viajar para a Itália. E, em uma dessas viagens, ele me pediu em casamento. Claro que eu disse ’sim’, mesmo que tenha confessado que tivesse muito medo das mudanças que viriam.

Me mudei para Veneza

Ao me mudar, surgiram 2 problemas. O primeiro foi minha completa dependência financeira de meu marido: foi difícil me acostumar moralmente com o fato de que agora outra pessoa me sustentava. Mas já posso desmentir com conhecimento de causa o mito sobre a mesquinhez dos homens italianos. Se um italiano te ama, colocará um mundo inteiro aos seus pés.

Na foto, minha sogra, Graziella, e eu. Ela prepara um tiramisú incrivelmente delicioso e pinta lindos quadros. Agora, posso me comunicar com ela em italiano tranquilamente.

O segundo obstáculo foi a barreira do idioma. Antes de me mudar para a Itália, não falava a língua local, já que, com Ângelo, converso em inglês. É claro que isso não era suficiente para uma vida plena em Veneza; por isso, comecei a aprender italiano. Em meio ano, passei a entender tudo o que me diziam. Mais seis meses e me tornei fluente.

Quando seu marido é gondoleiro

Não há uma lei que obrigue os gondoleiros a cantar. Mas a maioria deles tem excelentes habilidades vocais. Portanto, meu marido canta bem.

Hoje em dia, essa profissão se tornou muito respeitada entre os venezianos; então, há uma série de requisitos para se tornar gondoleiro. Por exemplo, é necessário passar em um exame especial para obter um certificado. Esse teste é composto por uma parte teórica (a história da cidade) e uma prática (controle da gôndola). Depois de passar na prova, você pode começar a trabalhar com turistas e fazer as típicas viagens em uma gôndola.

A gôndola acima foi encomendada por um colega de meu esposo e custou uma soma considerável. Todo o acabamento em madeira foi feito manualmente por um professor especialmente convidado a trabalhar no projeto da embarcação.

É difícil para um gondoleiro contar com ganhos estáveis e fixos, já que a renda depende de muitos fatores: o clima, o lugar de trabalho, o momento da temporada turística (de junho a agosto há mais demanda), os fins de semana e os feriados, a beleza da gôndola e até a aparência do gondoleiro.

Músicos, petiscos frescos de frutos do mar e o melhor prosecco: assim é celebrada a compra de uma nova gôndola em Veneza.

Além disso, gasta-se muito dinheiro na manutenção da gôndola. Na cidade, há oficinas especiais, onde é oferecida toda uma gama de serviços: limpeza de algas do fundo, engraxe, pintura, secagem, polimento, etc. É uma ocupação especial que existe há centenas de anos.

Chiara, uma das 3 gondoleiras de Veneza

Costuma-se pensar que os gondoleiros são exclusivamente homens. Mas, na verdade, não existe restrição por gênero. Atualmente, há 3 mulheres gondoleiras trabalhando em Veneza: Georgia, Chiara e Alexandra. A persistência dessas mulheres deve ser invejada, já que é preciso ser emocional e fisicamente forte para cumprir com todos os critérios dessa atividade.

As particularidades da vida em Veneza

A senhora Leza, que conheci em um café, e eu

O modo de vida da população local é muito monótono devido ao isolamento dos canais. Cada cidadão tem “seu” bar e “seu” supermercado, e há uma probabilidade de 99% de que você encontre o mesmo veneziano visitando esses estabelecimentos na mesma hora do dia. Tudo está programado segundo um horário estrito em “seus” lugares. Essa é uma das razões pelas quais os jovens de hoje estão escolhendo cada vez mais a vida no continente e a população local de Veneza está diminuindo gradualmente. Por exemplo, os familiares do meu esposo não saem da cidade há anos e acreditam que não haja nada de interessante para ver lá fora.

Purê de filé de bacalhau fervido em leite e aperol spritz. Recomendo a todos!

Os venezianos não fazem brindes. Fomos ao aniversário do tio do meu marido. Na mesa, uma grande quantidade de parentes comia, socializava, e nenhum brinde era feito! Depois da sobremesa, perguntei em voz baixa a Ângelo: “Quando começarão a brindar?”. Ele me respondeu: “Não temos uma tradição assim”. Então, peguei uma taça e disse uma série de felicitações para o aniversariante em meu péssimo italiano. Todos os presentes me encararam como se eu fosse uma extraterrestre. Mas o protagonista gostou tanto que me beijou e disse que se casaria comigo naquele exato momento se eu já não fosse casada.

Ao invés de uma casa noturna, um evento privado

As casas noturnas daqui são completamente diferentes das que eu estava acostumada. Os venezianos preferem as festas privadas, que muitas vezes acontecem em hotéis de luxo ou em palácios antigos e onde a entrada é apenas com nome na lista. Ângelo e eu gostamos muito de ir aos bailes do hotel Hilton, que acontecem no verão, no terraço junto à piscina. A vista é realmente incrível!

E, é claro que, durante o Festival de Cinema de Veneza, ganham vida muitos clubes da ilha de Lido, onde são celebradas festas para as estrelas de Hollywood. Obviamente não é nada fácil chegar lá, mas se você tem um amigo que tem um conhecido que tem um amigo de um vizinho que conhece o organizador da festa, pode ser que tenha sorte.

Os italianos têm suas próprias tradições

A principal celebração do ano, assim como no Brasil e em muitos países europeus, é o Natal. Toda a família se reúne para celebrar em uma grande mesa. Sobre a virada do ano, enquanto o resto do mundo assiste a velhos programas de TV e filmes sobre o Natal, os venezianos seguem sua antiga tradição: bem cedo, homens e mulheres mais resistentes pulam no mar.

A temperatura da água é de aproximadamente −5° C, mas isso não detém ninguém. Nesse dia, todos postam no Facebook as próprias fotos encarando o mar gelado. Afinal, um italiano de verdade não esconde suas proezas.

Os pratos favoritos de um verdadeiro veneziano

Os locais amam tudo o que é relacionado com os frutos do mar: fritto misto (frutos do mar sortidos), insalata di mare (salada do mar), que é uma mistura de uma grande quantidade de peixes e frutos do mar cozidos em escabeche e ao forno; zuppa di pesce (sopa de peixe), que é feita com mexilhões, camarões, peixe e polvo.

Como uma verdadeira italiana, obviamente precisei aprender a cozinhar os pratos típicos nacionais. Agora, posso preparar facilmente a sopa tradicional de feijões venezianos (a pasta fagioli), o risotto de ervilhas verdes (risi e bisi) e a sobremesa que todos amam: tiramisú.

Um lugar que todos deveriam visitar

Acredito que nunca deixarei de admirar a cidade. Como dizem os venezianos, “Veneza não é um peixe, Veneza é uma cebola”. Você tira camada por camada, mas nunca consegue chegar ao final, porque o entrelaçamento da história e da arquitetura na cidade é tão único que toda uma vida não será suficiente para conhecer a ilha por completo.

Bônus n°1: se você é um veneziano, então...

  • ...acredita que pedir alguém em casamento em uma gôndola é extremamente banal, e duvida do quanto esse método seja romântico.
  • ... bebe aperol spritz até 3 vezes por dia e paga 2 vezes menos que os turistas.
  • fala seu dialeto veneziano com orgulho e tenta pronunciar cada palavra de tal forma que nenhum outro veneziano possa entendê-lo.
  • segue o carnaval de sua cidade pela televisão.
  • em um ônibus aquático, o vaporetto, comenta com um turista que ele não tirou a mochila dos ombros, mesmo que, no “ônibus”, estejam apenas vocês dois.

Bônus nº 2

Quando você realmente gostou de Veneza

Além disso, meu esposo e eu notamos um certo padrão entre os turistas. Cada nacionalidade tem uma pergunta favorita:

  • Turistas russos: “Como é construída a rede de esgotos da cidade?”.
  • Turistas chineses: “Por que a gôndola é preta?”.
  • Turistas americanos: “É verdade que as casas de Veneza flutuam sobre a água?”.
  • Todos os turistas: “Onde posso comer como se eu não fosse um turista?”. Um gondoleiro responderá assim: “Na casa da minha avó!”.

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