Quem é mulher indígena tatuada que aos 106 anos virou capa da Vogue como guardiã das tradições do seu povo

Mulher
há 11 meses

A revista Vogue Filipinas apresentou ao mundo a Apo Whang-Od, de 106 anos, a mulher mais velha a estampar suas capas. Mais do que isso, eles trouxeram uma mulher indígena exibindo com orgulho o corpo tatuado, segundo as tradições do seu povo. Você deve imaginar que uma bela história se esconde atrás desses desenhos e, como amamos histórias inspiradoras, fizemos questão de compartilhar mais essa com todos.

Até junho de 2020, a mulher mais velha a estampar a capa da Vogue havia sido a Dama Judi Dench, então com 85 anos. A partir de 2022, ficou bem mais difícil quebrar esse recorde, já que a Vogue Filipinas trouxe uma mulher indígena de 106 para abrilhantar a sua capa.

Apo Whang-Od pode ser considerada a guardiã de uma técnica milenar do seu povo, os Kalinga, que vive nas Filipinas. Agora, com a exibição em uma revista mundialmente famosa, essa tradição ficou conhecida por muitos!

Whang-Od é considerada, até então, a última mambabatok, um tipo de tatuagem ancestral do povo Kalinga. É uma técnica que consiste em fazer os desenhos com um espinho de laranjeira ou pomelo e um bastão de bambu usado como se fosse um martelo. Para tatuar, no lugar de tinta, os mambabatoks utilizam uma mistura de água e carvão.

Com isso, eles fazem na pele das pessoas tatuagens intrincadas e carregadas de significados que remontam às suas tradições. Os símbolos que marcam a pele dos Kalinga são considerados sagrados e relembram os mesmos que adornavam os seus ancestrais.

Sendo uma arte tão tradicional e herdada dos antepassados, Whang-Od também aprendeu a técnica com o seu pai, quando ela ainda era uma adolescente, por volta dos 15 ou 16 anos. Uma vez que dominou os ensinamentos, passou a vida toda recebendo os seus conterrâneos que desejavam ser tatuados. As marcas feitas por ela podem significar, por exemplo, força, coragem ou a beleza da pessoa tatuada.

Normalmente, os homens e mulheres do povo Kalinga fazem uma tatuagem quando iniciam uma nova etapa em suas vidas. Mulheres indígenas que queiram celebrar a sua beleza e fertilidade também recorrem à mambabatok. Whang-Od se tornou famosa pela sua técnica, já que os desenhos elaborados por ela são únicos e muito significativos para os indígenas do seu povo. Eles representam a sua identidade, sua história e cultura.

A editora da revista Vogue, Audrey Carpio, explicou que “as mulheres mais velhas tatuadas de Kalinga costumam dizer que, quando morrem, não podem levar suas contas e ouro com elas para a vida após a morte. Elas só têm as marcas em seu corpo”.

As tatuagens mambabatok, também conhecidas como batek, patik, entre outros, são um costume não apenas do povo Kalinga, mas também de praticamente todos os povos indígenas das Filipinas. No entanto, cada grupo étnico tem os seus próprios desenhos com seus significados exclusivos. Os mesmos desenhos também podem ser pintados em vasos e tecidos. Em se tratando de tatuagens, há desenhos feitos para uma parte específica do corpo, enquanto outros cobrem o corpo todo.

Infelizmente, por mais que fosse uma técnica comum a todos os povos indígenas das Filipinas, o costume foi desaparecendo gradualmente. Os principais motivos foram a colonização e a adoção de hábitos ocidentais. A partir do século XIX e começo do século XX, apenas os povos que viviam nos lugares mais remotos das Filipinas ainda guardavam os segredos dessa bela tradição. Constantemente, quando se fala do assunto, a Apo Whang-Od é citada como a última mambabatok.

É por isso que ela é considerada um orgulho nacional para os moradores das Filipinas. Mais do que isso, ela é uma lenda viva. Graças a Whang-Od, as tatuagens indígenas continuam sendo praticadas e conhecidas até mesmo por quem não faz parte desse grupo étnico, ou seja, o resto do mundo. Pelos esforços em manter a tradição, Whang-Od recebeu em 2018 o Prêmio Dangal ng Haraya, pela sua contribuição à cultura filipina. Ela também foi eleita um dos Tesouros Vivos Nacionais, em 2015.

Aos 106 anos, muitos poderiam imaginar que ela estivesse aposentada. Mas a missão de Whang-Od ainda não terminou. Ela vive em uma aldeia remota, nas montanhas de Buscalan, e está na ativa ainda. Além de tatuar os indígenas do seu povo, ela também faz suas gravuras nos visitantes internacionais que se arriscam em uma verdadeira peregrinação para conhecê-la.

Os corajosos turistas que desejam ser tatuados por ela e receber a sua benção, precisam viajar por cerca de 15 horas a partir de Manila, a capital das Filipinas. Mas a viagem vale a pena, já que os desenhos geométricos feitos pela Whang-Od são exclusivos, além de belíssimos.

E não são apenas turistas comuns que a procuram para serem tatuados, alguns famosos também enfrentam a longa viagem para ter esse tesouro na sua pele. Evangeline Lilly, a atriz canadense que hoje interpreta a Vespa nos filmes da Marvel, conseguiu uma tatuagem de Whang-Od e a elogiou bastante. Além dela, outras celebridades filipinas, como atores, apresentadores e modelos, também tiveram a sorte de serem tatuados pela indígena.

Aliás, os famosos do mundo todo reagiram positivamente à divulgação da capa, postada pela própria revista e repercutida por diversas outras pessoas. Halle Berry, atriz, publicou a capa em seu Instagram com a legenda: “Isso é que é beleza verdadeira”, e Cara Delevingne, supermodelo e atriz, repostou a imagem. Anne Curtis, atriz, comentou na postagem da Vogue Filipinas: “Que capa maravilhosa!” Valentina, drag queen, comentou “Linda!”, e também colocou a foto da Vogue nos seus stories.

A atriz filipina Cherry Pie Picache comentou orgulhosa: “Um dos tesouros do nosso país”. Outras celebridades, como a cantora e atriz Vina Morales, a modelo Naomi Campbell e a influenciadora Kourtney Kardashian, também reagiram, repostaram ou comentaram com emojis de coração. Isso sem falar nos anônimos, que encheram as postagens de comentários cheios de amor, admiração e respeito.

“Eu só vou parar quando não puder mais ver, para que eu possa continuar a dar às pessoas a marca de Buscalan”, disse a própria Whang-Od à revista Vogue. Em sua longa trajetória, ela tatuou muito mais mulheres do que homens — eles costumavam ser tatuados conforme a caça e essa atividade foi proibida no território.

A tradição milenar de mambabatok diz que a arte só pode ser ensinada a parentes de sangue, como o pai de Whang-Od fez com ela, há mais de 90 anos. Como a indígena não tem filhos, para que essa técnica não morra, está passando os seus conhecimentos e habilidades para a sua sobrinha-neta Grace Palicas, na foto acima. Ela está tendo aulas já há alguns anos.

Há ainda uma segunda aprendiz, chamada Elyang Wigan, outra sobrinha-neta de Whang-Od. Por enquanto, como elas ainda não dominam a arte das tatuagens indígenas, Whang-Od segue sendo a última a deter os conhecimentos mambabatok.

Outra editora da revista Vogue, Bea Valdes, explicou qual foi o objetivo da revista ao colocar Whang-Od na capa. “Sentimos que ela representava nossos ideais do que é bonito em nossa cultura filipina. Acreditamos que o conceito de beleza precisa evoluir e incluir rostos e formas diversas e inclusivas. O que esperamos falar é sobre a beleza da humanidade.”

Saber que uma tradição tão bela e carregada de significados e valores que nunca compreenderemos completamente está sendo conservada e passada para as gerações futuras é gratificante! É algo que podemos fazer, também, ao manter os costumes e tradições da nossa família. Mesmo que seja algo simples como montar uma árvore de Natal, dobrar o guardanapo de uma maneira específica ou não deixar que a família esqueça as histórias dos nossos antepassados.

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