Um texto sobre como é importante seguir em frente mesmo quando as coisas não saem como o planejado
O que quer que tenha acontecido, ela decidiu seguir em frente.
Ele vinha se preparando há muito tempo, criou coragem e, finalmente, admitiu que queria se separar. Disse que buscaria suas coisas depois de um mês, pois no dia seguinte iria para a Grécia passar as férias, e começaria uma vida nova. Sem ela. Sim, ele se apaixonou por outra mulher, mas acontece. Fazer o quê? Não adianta desanimar, a vida segue.
Ele pensou que ela iria chorar, mas ela apenas continuou a preparr o café da manhã, com calma, fatiou o queijo, abriu o pão francês quentinho. Encheu a xícara com a bebida, sentiu o aroma perfumado e adicionou umas gotas de leite. Deu o primeiro gole, e logo um sorriso: estava delicioso!
Esperava por escândalo, gritos, histeria, mas ela estava com fome e comeu os dois sanduíches que havia feito; depois lavou a louça, maquiou-se em frente ao espelho e saiu para trabalhar. Antes de fechar a porta, mandou um beijo a ele de longe. Na entrada, pairava um cheiro de flores, muito doce e inebriante.
Na noite do mesmo dia, lembrou-se dela: como devia estar se sentindo sem ele e que, provavelmente, estava com saudade. Talvez, em lágrimas.
Mas ela passeava por uma loja de móveis, pela ala de cadeiras e mesas, e notava o quão prazeroso era não precisar perguntar a opinião de ninguém antes de comprar algo. Apaixonou-se por uma peça de cozinha na cor “noz italiana” e a levou sem pensar duas vezes.
Ele tinha certeza de que ela ligaria e imploraria para voltar, mas o telefone não tocou.
Em vez disso, ela adotou um gato de rua e o chamou de Simon: deu banho nele, limpou as patinhas e praparou um mingau em fogo baixo para ele comer. O animal se mostrou um excelente companheiro. Não reclamava da comida, gostava de olhar pela janela e dormia enrolado em uma manta de lã.
Deve estar se sentindo rejeitada, infeliz e solitária, pensou ele. Mas ela comprou um pincel, tintas e começou a desenvolver seu lado artístico. Sempre gostou de desenhar, e agora teria tempo livre, pois não precisaria se apressar para fazer o jantar após um dia longo de trabalho. Não havia necessidade de esperá-lo chegar, podia apenas relaxar e se dedicar à pintura.
Uma vez ele ligou, mas ela não atendeu. A torta já estava dourada no forno e faltavam apenas alguns minutos para ficar pronta; não podia se distrair. O aroma de baunilha da massa folhada, que envolvia um recheio de frutas vermelhas, invadiu a cozinha. Simon terminou de comer a ração e começou a ronronar de felicidade. Seus amigos iriam chegar nos próximos minutos para ver a estreia dela: o primeiro quadro quase finalizado.
Passado um mês, como prometido, ele voltou para buscar as coisas. Deve estar se preparando para esse momento — velas acesas, vestido novo —, imaginou ele. Mas o apartamento estava silencioso e, na entrada, havia uma bolsa com todas as roupas dele. Sem velas, sem vinho. O cheiro era de maçã com alguma erva: deve ter trocado de perfume, constatou ele. A cozinha estava irreconhecível. Os móveis eram novos, bonitos, aconchegantes. Ela realmente tinha muito bom gosto. Mas era final de semana: onde ela poderia estar, se perguntou.
Estava fora da cidade, visitando amigos. No banco de trás do carro, dois trabalhos de sua nova série sobre a vida do seu gato ruivo, intitulados Gato no campo e Gato nas camomilas. Fez para si mesma, porque queria, mas os amigos (um casal) se apaixonaram pelos graciosos desenhos e perguntaram se poderiam comprá-los para os pendurar em sua casa de campo. Os próximos projetos serão: Quando conheci o encantador inglês de orelhas levantadas; Encontro romântico no telhado, entre outros.
No banco do passageiro, ao lado dela, estava Simon, calmo e pensativo. Com uma pelagem ruiva e sedosa, que brilhava ao sol. Estava hipnotizado pelas paisagens que via pela janela — as árvores, as casas — mas, por vezes, se virava para a motorista, como se quisesse se certificar: “Está tudo bem?”
Tudo ótimo, respondia. E os dois sorriam felizes.
O Incrível.club publica esse texto com a permissão da autora Anna Bogdanova (Gansefedern).