Quem é Judit Polgár, a enxadrista cuja história lembra a da protagonista de “O Gambito da Rainha”

Pouco tempo após a estreia, O Gambito da Rainha se transformou na minissérie mais vista da Netflix, com 62 milhões de reproduções nos primeiros 28 dias, disponível no serviço de streaming. A história da jogadora de xadrez Elizabeth Harmon encantou espectadores no mundo todo e conseguiu um feito ainda mais extraordinário: popularizar o xadrez entre pessoas de diferentes idades e nacionalidades.

Embora a série não seja baseada em eventos reais, é inegável perceber semelhanças com a história de Judit Polgár, que já foi considerada a melhor jogadora do mundo. Hoje, o Incrível.club conta para você alguns detalhes da biografia de Judit e mostra as semelhanças e as diferenças entre a vida da enxadrista e a da personagem Beth Harmon.

As damas do xadrez

“Gênios não nascem, são feitos”. Essa ideia, defendida pelo pai da famosa jogadora, marcaria o destino das irmãs Susan, Sofia e Judit. László Polgár sempre defendeu que as crianças são capazes de conquistas excepcionais quando recebem uma educação especializada desce cedo. Ele e sua esposa Klára, ambos pedagogos, educaram suas três filhas em casa, em uma cidade na Hungria, e uma das coisas que ensinaram às meninas, foi a jogar xadrez.

As três não demoraram a mostrar ótimas habilidades para o jogo e após algum tempo de treino já começaram a participar de torneios. Tanto Susan como Sofia conquistaram títulos importantes no mundo do xadrez (Grande Mestra e Mestre Internacional); no entanto, a irmã caçula, Judit, foi a que mais se destacou. Chamada de menina prodígio, ela é considerada por muitos a melhor enxadrista de todos os tempos.

Quando era muito jovem, Judit não podia ficar no mesmo quarto que suas irmãs enquanto elas praticavam xadrez, pois, a condição era a de que deveria aprender antes de poder participar. E foi isso que ela fez. Durante o processo de aprendizagem, ela e as irmãs tiveram de enfrentar muitos jogadores profissionais, convidados pelos pais para desafiá-las.

Uma noite, durante um jogo entre Susan e um Mestre Internacional, houve uma espécie de impasse e os dois tiveram de acordar Judit para pedir ajuda. Ainda um pouco sonolenta, a filha mais nova deu a resposta que eles buscavam e voltou para a cama, deixando todos impressionados com sua inteligência e seu preparo para o jogo.

A jogadora mais forte do mundo

Com apenas cinco anos, Judit venceu um amigo da família sem sequer olhar para o tabuleiro. Aos sete, ela e sua irmã (então com nove) competiram de olhos vendados e venceram dois mestres, e ainda reclamaram que seus oponentes eram lentos demais. Quando completou nove anos, Judit jogou seu primeiro torneio nos Estados Unidos e aos 12 conquistou o título de Mestre Internacional, a jogadora mais jovem da história a realizar essa façanha.

Judit era uma menina em um mundo de homens adultos e não faltou quem que subestimasse seu poder. Seu comportamento tranquilo e modesto durante os jogos contrastava com a intensidade de suas jogadas. Um jornalista chegou a escrever sobre seus olhos “assassinos”: “A íris é tão cinza, tão escura, que quase não se diferencia das pupilas. O contraste com o cabelo ruivo gera um efeito surpreendente”.

Judit tinha apenas 13 anos quando entrou para a lista dos cem melhores jogadores de xadrez do mundo e 15 quando se tornou Grande Mestre Internacional, a mais jovem da história. As conquistas das irmãs Polgár se transformaram em tema de muitos livros e artigos, o que as levou à fama, para muito além do mundo do xadrez.

A jovem Judit participou de inúmeros campeonatos e foi ocupando postos cada vez mais altos no mundo do xadrez. Em 1997, o Grande Mestre Robert Byrne escreveu no New York Times que havia um grande debate sobre quem era o melhor jogador do mundo; no entanto, quanto à melhora jogadora, ele deixou claro: “não há discussão sobre a melhor jogadora: Judit Polgás, de 21 anos”.

Um tempo longe dos tabuleiros

Em 2004, Judit decidiu dar um tempo com o xadrez para ter o primeiro filho. Enquanto isso, sua irmã, Susan, voltou a competir e se transformou na melhor jogadora do mundo. Judit voltou no ano seguinte e seus resultados a colocaram na oitava posição entre os melhores do mundo (incluindo homens e mulheres).

Em 2006, Judit teve o segundo filho e mais uma vez se retirou das competições. Algum tempo depois, ela afirmou que “comparado à maternidade, o xadrez é como férias” e decidiu voltar aos jogos, pois eles eram parte fundamental de sua vida.

Judit se aposentou das competições em 2014, mas não do mundo do xadrez; ela escreveu uma série de livros para crianças e sua irmã Sofia ficou encarregada das ilustrações. Além disso, criou a Judit Polgár Chess Foundation e lutou para que o xadrez fosse colocado como parte do plano de estudos nacional na Hungria. Segundo ela, o jogo desperta importantes habilidades nas crianças, entre as quais, a resolução de problemas e o pensamento estratégico.

As semelhanças entre Judit Polgár e Beth Harmon

Elizabeth Harmon é a protagonista de O Gambito da Rainha, livro escrito em 1983 pelo americano Walter Tevis, que serviu de base para a minissérie homônima. Embora a personagem fictícia não seja baseada em Judit Polgár, as semelhanças entre elas são inegáveis.

Uma mulher brilhando no xadrez

Beth Harmon é uma novata no mundo do xadrez e não entende por que homens e mulheres não podem jogar juntos. Judit Polgár, por outro lado, raramente participou de competições exclusivamente femininas, sempre por incentivo de László Polgár. “As mulheres podem conquistar resultados semelhantes aos dos homens em atividades intelectuais. Nesse sentido, recusamos qualquer discriminação”, escreveu.

Na série, os grandes rivais de Beth são homens, e muitos fazem comentários sobre o gênero da jogadora; no entanto, segundo a própria Judit “eles são muito amáveis com ela (com Beth)”. Na vida real, a enxadrista precisou encarar comentários preconceituosos e piadas muito mais cruéis. Ela contou que houve jogadores que se negaram a lhe dar a mão e um chegou a bater a cabeça no tabuleiro após ser derrotado.

Apesar de todas as mudanças desde que Judit começou a competir, a série serviu para abrir o debate desde uma perspectiva de gênero, que acaba fazendo com que as pessoas passem a se questionar se os melhores jogadores do mundo são homens por uma questão de habilidade ou não; ou seja, se há um contexto sociocultural que afeta os resultados das mulheres.

Rivalidades

Na série, o grande rival que Beth luta para vencer é um jogador chamado Vasily Borgov. Judit Polgár enfrentou grandes jogadores, mas as partidas contra Garry Kasparov, um dos melhores da história, são as mais famosas e interessantes. Em 1994, eles protagonizaram uma polêmica porque o jogador russo supostamente mudou de opinião sobre o movimento de um cavalo e moveu a peça para outra casa, o que não é permitido.

Polgár não disse nada, pois não queria brigar com o campeão mundial e por ficar com medo de sua reclamação ser recusada. Judit perdeu o jogo, um duro golpe emocional que acabou por afetar muitos jogos que vieram depois. Algo semelhante acontece com a personagem Beth, após uma derrota contra Borgov na minissérie.

Em 2002, Judit Polgár finalmente venceu Kasparov em um jogo simplesmente excepcional. A partida entrou para a história por ser a primeira vez que uma jogadora venceu o número um do mundo.

Curiosamente, Garry Kasparov foi um dos jogadores consultados para a realização da minissérie O Gambito da Rainha.

Um estilo de jogo agressivo

Outra semelhança entre Beth Harmon e Judit Polgár é o estilo de jogo, já que ambas são particularmente agressivas em suas aberturas e usam técnicas e ataques sempre muito ousadas. O próprio Kasparov, ao se referir ao jogo de Polgár, disse: “o jogo de uma mulher no xadrez é sinônimo de uma agressão implacável”.

Uma diferença que vale a pena mencionar é que Judit Polgár sempre mostrou um bom desempenho em jogos rápidos, diferente de Beth que, na série, é derrotada mais de uma vez por não se sentir muito à vontade nesse estilo de jogo. Contudo, à medida que o tempo vai passando ela consegue se adaptar e passa a conquistar muitas vitórias.

A personagem Beth Harmon e a jogadora Judit Polgár têm histórias de vida muito diferentes e não nasceram na mesma época. No entanto, ambas possuem um talento inquestionável, enfrentaram desafios semelhantes com relação às competições e redefiniram as expectativas das mulheres no mundo do xadrez.

Você já assistiu à série O Gambito da Rainha? Consegue perceber semelhanças e diferenças entre a personagem Beth Harmon e Judit Polgár?