Filha de zeladora prova que tudo é possível e consegue ser aprovada em Medicina
Laianne é uma residente da periferia de Fortaleza e é filha da zeladora que trabalha da Universidade Federal do Ceará. Devido à falta de recursos financeiros, ela não tinha condições de adquirir livros para estudar. Aos 25 anos, ela relatou que teve que estudar com pouca estrutura e recursos materiais, dependendo do seu celular e de apostilas doadas. Ela não tinha acesso a livros, computador ou mesa de estudos, nem a um tutor ou professor para orientá-la. Além disso, ela sentia a falta de referências para se inspirar e seguir adiante.
“Aqui onde eu vivo, quando você olha pro lado, dificilmente vê exemplos de pessoas que conseguiram entrar numa universidade e se formar. Era uma realidade distante da minha, porque eu não tinha exemplos concretos. As pessoas diziam que era improvável.”
“É uma coisa que você pensa ’por que ainda tô tentando? Isso não faz parte da minha realidade’. Você acaba se autossabotando. Na minha escola, nunca se conversava sobre sonhos, sobre passar numa universidade. Isso também contribuiu”, contou.
Laianne nunca desistiu do seu sonho, mesmo após muitos anos de esforço e dedicação. Embora incerta sobre suas chances de sucesso, ela aguardou ansiosamente pelo resultado do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que foi divulgado em uma terça-feira, mais precisamente no dia 28 de fevereiro de 2023. Ao acessar a plataforma, ficou surpresa ao ler a mensagem: “Parabéns! Você foi selecionada na chamada regular”.
A notícia da sua aprovação em Medicina emocionou toda a sua família. Quando contou a sua mãe, ela não acreditou a princípio. Laianne havia tentado passar na prova desde 2015, lutando há 8 anos pelo seu objetivo. Somente quando sua mãe mostrou o resultado aos colegas de trabalho e todos começaram a chorar, ela percebeu que era verdade.
A mãe de Laianne, Maria Célia, tem 56 anos e trabalha há 11 anos como zeladora em um dos campus da Universidade Federal do Ceará em Fortaleza. Ela é a maior incentivadora dos objetivos e sonhos de sua filha, mesmo que não tenha finalizado seus estudos. Dona Célia construiu um futuro novo para sua herdeira.
A jovem contou que dependia somente da ajuda de sua mãe para se manter no cursinho, e que muitas pessoas desistiram por falta de apoio. Sem o apoio de sua mãe, ela acredita que não teria conseguido passar no processo seletivo. Laianne se emociona ao lembrar que sua mãe sempre acreditou em seus sonhos e a apoiou incondicionalmente.
“Tô muito feliz, graças a Deus a minha filha ter alcançado esse objetivo. Porque é muito difícil um filho de um pobre alcançar o que ela alcançou. Foi muita luta. Ano passado, ela passou na Universidade da Bahia, mas como não tive condição de manter ela lá, ela ficou aqui, continuou a estudar”, Célia contou.
Laianne se inscreveu no Curso Pré-Vestibular XII de Maio, que é oferecido pela Famed/UFC, a fim de alcançar seu objetivo. Foi na biblioteca do campus que ela encontrou o local adequado para seus estudos, chegando cedo pela manhã e saindo tarde, por volta das 22h.
“Em casa, eu estudava me balançando na rede, porque não tinha mesa. Pegava o celular, ficava na rede e muitas vezes, quando eu via o pessoal com livros, apostilas e estrutura, pensava ’meu Deus, nunca vou conseguir’.”
“Minha preparação mental foi ver a minha realidade e perceber que eu poderia ser o exemplo para alguma pessoa. Sempre pesquisava sobre doações de materiais, e passei a estudar através desse material doado”, relatou.
“Acredito que sem a Lei de Cotas eu não teria entrado de forma nenhuma. Foi a Lei de Cotas que me abriu a porta e a possibilidade de eu entrar na Faculdade de Medicina”.
Quando o semestre letivo da UFC começou em 13 de março de 2023, Laianne deixou a casa que divide com outras sete pessoas no bairro Pirambu e seguiu para o Campus do Porangabuçu, onde fica a Faculdade de Medicina.
O desejo da jovem em se tornar oncologista teve origem na perda do pai, que faleceu em decorrência do câncer nos anos 2000.
“Meu sonho é ser oncologista. Espero poder aprender muito, absorver muito conhecimento para, futuramente, me tornar uma excelente profissional, ajudar as pessoas, acolher meus futuros pacientes. Quero crescer muito como pessoa”, finalizou.