Confissões de uma mãe: “Parei de levar meu filho a milhares de atividades extracurriculares e o deixei livre para decidir o que quer”

Psicologia
há 3 anos

A “criança ideal” seria, na opinião de alguns pais, aquela que está constantemente ocupada, traz para casa apenas notas excelentes, recebe “estrelinhas” em todas as atividades e pensa exclusivamente em entrar na faculdade e em sua futura profissão. Mas será que já passou pela cabeça desses pais que crianças querem apenas... ser crianças? E que isso pode significar ficar deitada no sofá assistindo à televisão ou jogando videogame?

Para alguns de nós, do Incrível.club, o principal problema na idealização das crianças não é a preguiça dos filhos, mas a preocupação dos pais. Perguntamos a uma mãe o que aconteceria se ela simplesmente parasse de repetir para seu filho o lema “mais rápido, mais alto, mais forte”.

Meu filho está na sexta série. Mas quando estava na escola primária, nós, pais, éramos obrigados a preencher todas as atividades extracurriculares. Se meu filho tivesse menos de quatro áreas de atividades, a professora já nos julgava com um olhar crítico e dizia que a criança deveria ter cada minuto ocupado. Dizem que a energia dos pequenos deve ser gasta em algo produtivo, para que não haja tempo para travessuras.

Francamente falando, sempre tive pena das crianças vestidas com aqueles uniformes pouco confortáveis, com os quais não se pode correr nem pular. Só que as crianças de hoje em dia também são obrigadas a se deslocar de uma sala a outra. São aulas na primeira metade do dia e, depois delas, uma maratona de atividades extracurriculares, como xadrez, pintura, música, etc. E mais: dependendo do dia, um treino esportivo exaustivo, para não ficarem entediadas.

No dia seguinte, tudo de novo. Provavelmente, nem mesmo um adulto suportaria essa carga de atividades exaustiva e sistemática. Imagine você fazendo aulas extras todos os dias depois do trabalho. E todos os lugares exigindo que entregue tarefas. No caso das crianças, além de fazer as lições, elas ainda precisam estudar para testes e exames finais.

Na minha infância, a atividade extracurricular principal era a rua, onde era possível desenvolver tanto a agilidade e a velocidade de reação quanto a capacidade de comunicação. Até aprendi a nadar sozinha em um rio. E andei de bicicleta pela primeira vez com a ajuda dos meus vizinhos.

Houve um período na minha vida em que eu mesma coordenava um clube estudantil e praticava jornalismo com as crianças — produzíamos uma espécie de jornal mural. Na minha escola, havia um rapaz que era uma verdadeira “estrela” nas competições escolares, participava de tudo, foi presidente do grêmio estudantil, nadava e fazia karatê.

Esse rapaz realmente se sentia bem quando estava cheio de coisas a fazer. Mas confesso que eu não conseguia (nem consigo até hoje) imaginar quando ele encontrava tempo para dormir.

Mas também há outros tipos de crianças. Como meu próprio filho. Ele não gosta de esportes em grupo, é tímido para dançar na frente de todos e não é muito fã de artes marciais. Fez natação por um ano, mas agora diz que já sabe nadar e não vê mais sentido em continuar as aulas.

Em vez disso, meu filho gosta de esquiar e fala animadamente sobre as trilhas de verão, situações em que o instrutor conduz a criançada por horas pela floresta, prepara obstáculos de corda e as ensina a montar barracas. Ele também vai às aulas de teatro duas vezes por semana e, literalmente, se encanta com a oportunidade de se apresentar em um palco.

Mas, de vez em quando, meu ex-marido liga e exige que eu matricule nosso filho nas aulas de hóquei. Então eu respiro fundo e pacientemente digo: “Claro, mas primeiro compre o uniforme completo e leve-o para os treinos você mesmo”. Isso geralmente encerra o diálogo. Sei muito bem que todo o entusiasmo paterno do meu ex-cônjuge acaba quando ele descobre que é preciso também investir de alguma forma no desenvolvimento do nosso filho. Isso sem contar que meu filho jamais correria de patins atrás de um disco. Isso não é do feitio dele.

O mesmo vale para a dança. Por muito tempo, não consegui entender por que ele se recusava a se inscrever nessas aulas. Então, percebi que era exatamente isso que eu queria, mas para mim mesma. Sou eu que, desde criança, consigo me alongar perfeitamente bem. E mesmo no meu estado atual, sem treino algum, após um pequeno aquecimento, consigo facilmente levantar minha perna quase até a minha cabeça. Mas, para meu filho, abrir espacate é algo fora da realidade.

Cerca de três anos atrás, eu também quis levá-lo às aulas de música, mas meu filho foi categoricamente contra, tanto que eu imediatamente abandonei a ideia. Sim, esse também era o meu sonho. Apenas não realizado. Quando criança, sonhava em aprender a tocar piano, mas meus pais disseram que eu não tinha talento suficiente. Depois, percebi que eles simplesmente não queriam me levar à aula de música, já que a escola de artes ficava longe de casa.

Agora, descobri que quero tocar violão. E é isso que vou fazer. Quanto ao meu filho, vou deixá-lo decidir por conta própria o que ele quer.

Hoje, finalmente percebi que uma criança não precisa de “100.500 atividades extracurriculares”. Três ou quatro aulas extras por semana já são mais do que suficientes para meu filho. E se ele quiser ficar ao celular, não tem problema. Ele tem todo o direito ao tempo livre.

Tenho outro exemplo bem próximo a mim. Um dos amigos do meu filho vive ocupado com várias atividades: aulas pela manhã, reforço depois do almoço e, dependendo do dia da semana, curso de artes ou futebol à tarde. Agora, o garoto começou a crescer e já está reclamando da falta de tempo livre para passar com os amigos.

Muitos pais se queixam de não conseguir mais tirar os gadgets de seus filhos. Mas temos de aceitar o fato de estarmos vivendo uma era diferente e de todas as formas de comunicação terem migrado para a Internet. A propósito, as crianças costumam assistir a vídeos educativos na web e algumas até criam conteúdos ou programas. Eu acho isso muito bom.

Também acredito que as crianças que vivem de acordo com um cronograma pré-estabelecido por pais zelosos, na idade adulta terão dificuldades em adquirir conhecimento e gerenciar o próprio tempo sozinhas. Afinal, para elas a programação sempre foi feita por terceiros.

Na universidade e na vida independente, seu filho ou filha será arrancado desse turbilhão de atividades e cursos e arremessado na areia da praia como um peixe tentando respirar fora da água. E ninguém pode garantir que isso vai acabar bem. Quando for adolescente, poderá não lidar bem com o excesso de liberdade ou, por medo, simplesmente se isolar.

Continuo a ensinar o meu filho a se livrar dos adultos que periodicamente lhe dizem: “Você não se interessa por nada, quase nunca vai a lugar nenhum e nem é participativo nas aulas”. E ainda tenho de sempre lembrar os professores que meu filho já defende o nome da escola em olimpíadas regionais e se apresenta periodicamente no clube teatral nas datas comemorativas.

Frequentemente, em tais situações, alguns pais (cujos filhos não participam) se envergonham e pensam erroneamente: “Será que as pessoas realmente vão dizer que meu filho é incapacitado?” Um conselho aos que acreditam nisso: mudem sua forma de pensar.

Acho que para meu filho, agora, bastam uma atividade extracurricular e trilhas pela floresta. Afinal, minha tarefa como mãe não é criar um neurótico desenfreado, mas adaptá-lo o máximo possível à sociedade em que ele terá de viver.

Quantas atividades ou aulas, além da escola, você acredita que uma criança deve fazer?

Comentários

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Uma realidade triste, crianças bem pequenas que nem sabem o que estão fazendo e já tem tantos cursos e aulas que nem conseguem abarcar

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Ao dar escolhas para as pessoas, mesmo crianças, vc cria um ser que sabe lidar com a independência

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