Por que costumamos culpar as vítimas e não os agressores?

Psicologia
há 1 ano

“É sua culpa! Não devia se casar com um tirano!” “Fique atento quando for atravessar a rua!” “Se tivesse cuidado do seu celular novo, não o teria perdido”. Você já presenciou (ou foi protagonista) de conversas como essas, certo? Muitas vezes, nas pequenas e grandes tragédias, as vítimas costumam ser consideradas as maiores culpadas. Mas será que esse tipo de julgamento é justo? Por que reações como essas são tão comuns? Será que já não basta a tristeza da vítima decorrente do fato, em si?

Nós, do Incrível.club, decidimos entender de onde vem o desejo de culpar a vítima de uma desgraça e explicar por que isso não é razoável.

A crença no mundo justo

A chamada “crença no mundo justo” (ou “hipótese do mundo justo”) é um erro de cognição baseado na ideia de que cada pessoa merece as próprias desgraças por causa de seu comportamento e de suas ações. Seria como em um conto de fada em que as pessoas boas merecem a felicidade e as más, punições. Por isso, muita gente acredita que o mundo é um lugar em que há justiça. Só que, lamentamos informar, as coisas nem sempre são assim. Vilões muitas vezes se dão bem e mocinhos nem sempre terminam com as princesas. Por isso, quando algumas pessoas enfrentam situações que contradizem esse conceito de mundo justo, tentam relacionar a tragédia ao comportamento da vítima. É mais fácil culpar do que entender que uma desgraça pode acontecer com todos.

Esse tipo de crença leva a pensamentos absurdos como aqueles que atribuem aos doentes a culpa por problemas como o câncer — mesmo aqueles atingidos pela doença por puro acaso. O mesmo acontece com pessoas que culpam todos os pobres por viverem na miséria, sem considerar as condições (ou a falta delas) que tiveram para progredir na vida.

Esse erro cognitivo já foi demonstrado muitas vezes por experimentos. Em um desses testes, os pesquisadores puseram alguns voluntários para observar como outros voluntários lidavam com choques elétricos — sem prejuízo à saúde, mas com sensações desagradáveis. Primeiramente esses observadores ficavam tristes com a situação dos colegas, mas quando entendiam que não podiam interferir, começavam a atribuir traços negativos às vítimas. No final do teste, quando os participantes foram informados de que os outros voluntários estavam recebendo compensações pelo experimento, deixaram de procurar justificativas para o sofrimento dos colegas.

A vítima se culpa

Não são raras as situações em que a própria vítima se culpa, mesmo que não haja razões para isso. Essa é uma das consequências da já mencionada crença no mundo justo. A vítima passa a acreditar que merece as desgraças e que deveria ter previsto a tragédia.

Mas por que é que isso acontece? Uma das razões pode ser a opinião pública. Quando a maioria o culpa por um problema, é bem fácil aceitar essa ideia. Outra razão que pode causar esse comportamento é a perda de controle sobre a própria vida. Nessas circunstâncias, a vítima passa a crer que já não tem forças para lidar com a situação gerada por uma tragédia.

Erro fundamental de atribuição

O chamado erro de atribuição (ou viés de atribuição) é caracterizado por uma tendência de explicar ou interpretar o comportamento de outra pessoa sem, entretanto, entender o contexto em que essa pessoa se encontra e as circunstâncias em que tomou determinadas decisões. Por exemplo, quando um colega de turma vai mal em uma prova, você tende a pensar que é preguiçoso e, por isso, não se dedicou o suficiente. Mas quando quem vai mal é você, é comum encontrar milhões de justificativas que, em sua opinião, são bastante válidas, como o fato de que o professor é injusto ou de que uma questão foi muito complexa.

O mesmo acontece com as vítimas dos crimes. Muita gente tende a acreditar que boa parte da culpa (senão toda) é da própria vítima. Muita gente, mesmo sem entender o contexto ou saber mais sobre um caso, logo se manifesta, dizendo que essa vítima foi distraída, imprudente ou que “provocou”.

Desejo de proteger o grupo

Às vezes a intenção de culpar a vítima é um mecanismo de defesa. Algumas pessoas valorizam muito os princípios que visam a unir uma comunidade (por exemplo a subordinação e lealdade ao chefe). Assim, tendem a acreditar que é mais importante proteger o grupo do que os interesses de uma pessoa em específico — isso justifica, por exemplo, punições desproporcionais em casos de traição. Afinal, quem trai está jogando contra o grupo ou a comunidade.

Esse tipo de comportamento costuma influenciar a atitude em relação às vítimas. Um estudo realizado por pesquisadores da famosa Universidade de Harvard (EUA) mostrou que é comum as pessoas responsabilizarem as vítimas em casos de roubos e estupros.

O fenômeno de determinismo gradual

Esse fenômeno é baseado no conceito de que as pessoas tendem a acreditar que poderiam ter previsto um acontecimento desagradável que aconteceu no passado, mas com as informações que já possuem no presente. Por exemplo, pensando algo como: “Se eu tivesse conseguido outro emprego, não teria problemas com o chefe hoje.”

Esse tipo de julgamento também vale para vítimas de crimes e acidentes: “Intoxicação alimentar depois de ter comido no restaurante? Você deveria escolher outro lugar!” As pessoas tendem a acreditar que a vítima poderia ter previsto todas as consequências negativas e evitá-las. Há uma expressão que vale para esse tipo de situação: “engenheiro de obra pronta”; é muito fácil indicar os erros no projeto de um prédio ou uma ponte depois que ficaram prontos e os problemas se tornaram evidentes, certo?

Até quando culparemos as vítimas?

Aparentemente, a tendência de culpar as vítimas é algo programado em nossa mente e inexorável. Mas será que podemos fazer algo para reverter isso? Bem, a resposta é simples.

Voltemos experimento dos voluntários que recebiam choques e da reação daqueles que assistiam à cena. Como mencionamos, havia uma tendência a justificar aquele pequeno sofrimento atribuindo às vítimas determinadas características. Só que tudo mudou quando os pesquisadores pediram àqueles que assistiam à cena que procurassem imaginar o que os outros voluntários (os que recebiam os choques) sentiam. Bastou isso para provocar um sentimento de empatia, que, por sua vez, amenizou essa tendência a culpar as vítimas.

O segredo, portanto, é colocar-se no lugar do outro e controlar suas emoções. Talvez assim a situação possa melhorar.

E o que você acha dessa tendência? Costuma perceber esse tipo de fenômeno no dia a dia? Conte para nós na seção de comentários!

Illustrated by Daniil Shubin exclusivo para Incrível.club

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