Vivi com um tirano e tentei mudá-lo (só que 5 anos depois, percebi que precisava fugir)

Psicologia
há 4 anos

Meu nome é Anna e, há 10 anos, fui vítima de violência doméstica. Muitas pessoas acham que brigas e escândalos ocorrem em famílias disfuncionais, aquelas bem estereotipadas em que as pessoas abusam do álcool e levam um estilo de vida antissocial. Só que as coisas não são bem assim. Qualquer mulher (ou homem) pode ser vítima de um tirano doméstico, independentemente do nível de renda, educação ou aparência.

Vou contar a história sobre o meu relacionamento especialmente para o Incrível.club. Espero que ajude outras pessoas a evitarem um destino igual ao meu. Ou, para aquelas que já tiverem caído nas garras de um monstro desse tipo, que consigam terminar o relacionamento e conseguir um pouco de paz na vida.

Como conheci meu ex-marido

Cresci em uma família incompleta. Minha mãe teve de criar a mim e a minha irmã mais nova. Bem, nossa avó a ajudou. Talvez os psicólogos saibam encontrar na minha infância as razões para o que aconteceu comigo. Não gostaria de culpar meus pais, as circunstâncias ou o horóscopo. O que se passou comigo aconteceu por uma simples razão: eu me casei com um tirano.

A história do meu relacionamento foi banal. Ele chegou com seus amigos onde eu trabalhava, conversamos, marcamos um encontro e começamos a sair. Como era o futuro tirano? Era encantador: tinha um sorriso largo, era bonito, um pouco mais velho do que eu. Sem chifres, nem cauda de demônio: um homem agradável e muito simpático.

Os primeiros sinais que podem ajudar a reconhecer um tirano

A princípio, um tirano não vai te atingir ou te humilhar. É importante que, antes disso, a vítima relaxe, se sinta bem tranquila. Nós, por exemplo, costumávamos andar sob a lua e falar de coração para coração. Meu “cavalheiro” costumava reiterar que ninguém o entendia, que teve uma infância difícil e uma juventude desagradável. Ele era uma espécie de herói com o coração partido, que alguém deveria curar.

Ele mentiu sobre sua carreira de sucesso e sobre seus amigos. Acho que ele mesmo acreditava em suas fantasias. Na verdade, era um homem sem trabalho fixo, mas com grandes dívidas e enormes problemas psicológicos.

Mas era um sujeito muito determinado e, em pouco tempo, nosso relacionamento se tornou “sério”. Alguns meses depois, começamos a morar juntos, adotamos um gato e começamos a viver como marido e mulher.

Muitas vezes, pessoas com esse perfil controlador aceleram o desenvolvimento do romance e procuram destruir as raízes da mulher, por exemplo, mudando de cidade, de modo que, no novo ambiente, a companheira não tenha como escapar. Isso aconteceu com uma amiga minha, que levou dois anos guardando dinheiro para fugir e reconstruir a própria vida. Esse é um modelo clássico de um comportamento tirânico.

Os psicólogos explicam que esse tipo de pessoa controladora precisa forçar o relacionamento para que a vítima não recupere a razão. Assim, uma mulher perde a própria identidade e deixa de ser uma pessoa independente, tornando-se uma espécie de “complemento” do homem.

Como eu me transformei de uma mulher normal em uma vítima

Meu marido era muito ciumento. Ele tinha certeza de que eu era infiel e lhe colocava chifres em qualquer oportunidade — ou, no mínimo, que planejava fazer isso. Hoje, depois de ler muitos livros, sei que o ciúme compulsivo é um mau sinal.

Para poder me controlar e acalmar a própria obsessão, checava meu celular o tempo todo. Depois de um tempo, comecei a temer as chamadas recebidas e os SMS. Todas as ligações não identificadas eram motivo de escândalo. Ele me convenceu a deixar o trabalho e começou a controlar minhas finanças. Pouco a pouco, as amigas que “fumavam, bebiam e levavam uma vida imoral” desapareceram da minha vida. Cheguei a parar de me maquiar e de cuidar de mim para não provocar ataques de ciúmes.

Minha autoconfiança ia sendo destruída dia após dia. Em primeiro lugar, recebia comentários nada elogiosos sobre minha aparência. Aprendi com o meu ex-marido que tenho um nariz muito comprido, sou muito alta e estou acima do peso. Ele nunca chegou a dizer diretamente “você é gorda”, mas fazia comentários do tipo: “esse vestido não fica bem em você, destaca excessivamente sua barriga”.

Também aprendi com meu ex-marido que, em comparação com a mãe dele, eu era totalmente incompetente. No começo, enquanto ainda estava trabalhando, voltava correndo para casa para arrumar tudo e preparar o jantar, mas era inútil. Além disso, minhas habilidades mentais deixavam muito a desejar- pelo menos na opinião dele. Eu não era suficientemente inteligente para manter uma conversa séria — era muito distraída — e não era sequer hábil o suficiente para dirigir minimamente bem um automóvel.

O agressor tem um método de opressão infalível

Nossa vida era um ciclo eterno que se repetia o tempo todo e que se subdividia em três ciclos menores: (1) a busca de uma razão para um escândalo (2) o escândalo, em si e (3) a lua de mel, quando reatávamos e prometíamos não repetir as crises. E todas essas etapas se tornaram um círculo vicioso. No início, meu marido procurava qualquer motivo para fazer um escândalo; costumava acalmar a “dor” com o álcool, ficava de mau humor e em silêncio durante vários dias. Isso me dava a sensação de que precisava desabafar, mas não conseguia encontrar uma razão para a briga.

Então chegava o ápice das discussões, a briga. Podia consistir em apenas ameaças verbais ou insultos e chegar às vias de fato, as bofetadas. Meu marido me explicava que estava gritando porque me amava. Ele queria que eu fosse uma pessoa melhor, que nossa família fosse perfeita. E se alguém repete a mesma coisa duas a três vezes por semana, no final a vítima começa a acreditar em tudo. Eu suplicava, discutia, chorava, mas o agressor não precisava da verdade. Precisava, isso sim, de sua própria verdade. Acho que ele sabia perfeitamente que eu era fiel, mas só queria sentir estar no poder.

O último ciclo: a “lua de mel”: depois de se satisfazer com a minha humilhação, meu marido mudava sua atitude. Começava a cuidar de mim, pedia perdão, dava flores e chorava como uma criança. Na verdade, não estava envergonhado, isso não passava de um truque astuto. É algo parecido com a forma como os cuidadores lidam com cavalos usados para arar a terra. Primeiro, fazem com que trabalhem à exaustão e depois os alimentam para que continuem vivos.

É impossível curar um tirano com o seu amor e suas concessões. Tentar mudar uma pessoa desse tipo é inútil porque ela não quer e não precisa mudar. Seu objetivo é destruir o que há de melhor na vítima: a bondade, a confiança e a ternura.

Por que eu fiquei com ele tanto tempo?

As mulheres que enfrentam a violência doméstica têm uma razão para ir embora e milhares de razões para ficar. Não ficamos com os tiranos apenas porque perdemos a autoestima. Nós apenas tentamos ser boas para as pessoas que, no final das contas, não merecem isso.

Por muitos anos, tentei mostrar para o meu marido que eu era uma pessoa correta, mas isso só agravava a situação. Cumpria todas as suas exigências. Desisti de usar cosméticos, roupas coloridas e chamativas. Mas agora entendo: uma pessoa consciente das próprias qualidades e em paz consigo mesma não deve tentar provar nada a ninguém.

Eu tinha certeza de que era gorda e velha, que a mãe dele cozinhava melhor e que sua ex-esposa ainda esperava por ele. Pensava que meu ex-marido era minha última chance de criar uma família. Na verdade, é melhor morrer sozinha, dividindo seu apartamento com 40 gatos do que tolerar esse tipo de abuso.

Eu tinha vergonha de admitir que meu marido me humilhava. Em nossa sociedade, muitas vítimas infelizmente ainda acreditam que são as culpadas pelo abuso. Que falam demais ou que usam roupas muito provocantes. Para mim, o divórcio era o mesmo que admitir a derrota.

Em público, ele era o homem mais doce que eu conhecia. Ninguém jamais pensaria que um sujeito como ele poderia bater em uma mulher. Então, comecei a duvidar de mim mesma: e se eu realmente merecesse o castigo? Eu estava presa a uma situação em que não havia senso comum.

Consegui dar à luz nosso filho porque me pareceu que um bebê fortaleceria a família e mudaria o temperamento do meu marido. No entanto, a situação só piorou. Sem trabalho, sem amigos, com um bebê nos braços, você não vai escapar para lugar algum. Além disso, a criança se tornou outra ferramenta para ele me controlar. Meu marido ameaçava levar o bebê se eu decidisse deixá-lo.

O dia em que percebi que deveria fugir

Ainda me lembro do dia em que decidi ir embora. Era noite, meu marido descansava da vida familiar com seus amigos e eu estava sozinha me virando para cuidar do bebê. O menino estava brincando. E, de repente, se virou para mim com uma faquinha de plástico que usava para cortar a massinha de pão e disse: “Vou cortar você”. Meu filho de dois anos havia ouvido essa frase durante uma de nossas brigas familiares.

Percebi que estava destruindo não apenas a minha vida, mas também a psique de nosso filho. Em alguns anos, nossa casa se tornaria um hospício. Então tive de organizar uma fuga no estilo de filmes de espionagem. Pedi dinheiro emprestado para minha irmã e fomos embora enquanto meu marido estava fora.

Como não tinha para onde ir, só me restava voltar para a casa da minha mãe. Ela e minha irmã foram as únicas pessoas que me apoiaram. Minha sogra não parava de me ligar, exigindo que eu lhe entregasse meu filho “porque vocês vão se divorciar e não terão mais filhos”. Meu marido desistiu de seu trabalho e me vigiava de seu carro estacionado sob minhas janelas, ligando e enviando mensagens, ameaçando e depois pedindo desculpas.

Fiz duas coisas simples: pedi ajuda à polícia e comecei a gravar todos os telefonemas. Se algo acontecesse comigo, a polícia não demoraria a encontrar o culpado. Meu marido era um tirano e um agressor, mas não era um idiota. Ele se amava demais para ir para a cadeia.

Nosso divórcio foi complicado: ele não compareceu às audiências, depois apareceu para fazer várias exigências ridículas. No entanto, em cerca de seis meses, perdeu completamente o interesse por mim e até mesmo por seu filho. Agora, está casado novamente e está criando um novo filho.

Precisei de vários anos para me acostumar a viver como uma pessoa normal. Tive de fazer análise para recuperar minha autoestima e a confiança em mim mesma.

Uma conclusão para todas as mulheres que estão passando por situações semelhantes

Tirei uma grande lição desse relacionamento doentio: aprendi a detectar com apenas uma olhada potenciais agressores e pessoas neuróticas, uma experiência muito valiosa. E agora quero dizer algo importante para todas as mulheres que estão em situação semelhante.

Não é sua culpa. Você é uma pessoa boa e adorável. Os tiranos se apegam a mulheres cordiais e empáticas apenas porque eles mesmos não possuem essas qualidades. Eles são como vampiros, vão sugar o melhor de você. Nenhuma pessoa no mundo merece a humilhação ou punição por usar palavras “erradas” ou roupas “inadequadas”. E você não merece isso também. Mantenha a esperança, não hesite em pedir ajuda aos seus parentes e, se decidir fugir, não mude de ideia. Porque quanto mais você demorar para fazer isso, pior.

Pareceu-lhe familiar a situação vivida pela protagonista do post? Compartilhe sua experiência na seção de comentários!

Imagem de capa Big Little Lies / HBO

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