Pessoas contam sobre a primeira vez que perceberam que estavam mentalmente doentes

Psicologia
há 4 anos

O maior mito sobre a saúde mental é a crença em que as pessoas com transtornos não percebem a sua condição e por isso não conseguem lutar contra os próprios problemas. Na realidade, isso acontece apenas no caso dos chamados transtornos psicóticos, quando a imagem da realidade muda para a pessoa doente. Em qualquer outro tipo de problema, o pensamento crítico é capaz de mostrar que alguma coisa não está certa.

O Incrível.club pesquisou quais são os sinais que podem revelar problemas de saúde mental a partir de histórias de pessoas que perceberam que algo com elas não estava certo. Relatos que nos levam a muitas reflexões.

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Estive deprimida durante vários meses e de repente comecei a me sentir melhor. Muito melhor. Era simplesmente incrível. Para comemorar, gastei em um dia 40 mil dólares em sapatos. Quase parei de dormir. Um dia, pela manhã, acordei com uma ideia obsessiva de que meus sapatos novos não eram perfeitos.

Às 4h30 peguei o metrô para o escritório, onde havia deixado as caixas. Levei todos os sapatos para a minha casa e comecei a arrumá-los de acordo com a altura do salto e depois pelo nome do estilista. Em seguida, me distraí e fui assar cupcakes. Voltei aos meus sapatos e comecei a anotar todas as diferenças entre eles para levá-los ao sapateiro para arrumar.

Às 7h30, meu namorado acordou, viu a ’exibição’ de sapatos e o banquete de cupcakes. E me disse que eu deveria ir ao médico. O mais terrível é que se ele não tivesse suspeitado, eu não teria percebido nada de estranho no meu comportamento e teria ido trabalhar como se nada tivesse acontecido. © Anonymous, transtorno bipolar

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Na sétima série, durante a prova de estudos sociais, escutei alguém chamar pelo meu nome. Olhei para a minha irmã e perguntei se ela tinha ouvido. Ela respondeu que não. Nos anos seguintes, a situação piorou e foi aí que eu percebi que algo estava errado, que alguma coisa estava acontecendo comigo. © Julia Yeckley, transtorno esquizoafetivo.

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Tudo começou quando eu comecei a ter problemas com o reconhecimento da realidade. Eu me preocupava com as coisas que pareciam reais, ainda que elas existissem apenas nos meus pensamentos. Mas o que realmente me assustou foi quando acordei pela manhã, desci as escadas, fui tomar uma ducha e então acordei. Eram duas horas da manhã e o despertador ainda não tinha tocado. Isso aconteceu várias vezes seguidas. Eu não conseguia mais entender o que era real e o que que era ilusão. © weaselinMTL, transtorno esquizoafetivo.

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Eu sempre soube que era diferente das outras crianças. Mas me lembro de quando comecei a ter manias. Tinha seis ou sete anos, lia no escuro e tentava manusear o livro para que as palavras ficassem nos finos raios de luz da persiana que tocavam as páginas.

Eu não sabia como explicar aos meus pais que o meu cérebro corria a 150 km/h, que eu me preocupava com as contas, com a escola, com o crescimento, com a quantidade de dinheiro que eu tinha de ganhar em uma semana, em um mês e em um ano para sobreviver. Tudo isso aos sete anos. © Сhristina Lewis, transtorno bipolar.

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O ponto de inflexão foi o meu primeiro ataque de raiva. Pisquei e o mundo tinha mudado. Nas minhas mãos havia uma mesa de ferro com que eu tentava matar um colega. Ainda bem que o espaço era reduzido. Eu tentei esmagá-lo com a mesa. Quando dois colegas me seguraram, minha consciência começou a reaparecer. © Doug Hilton, transtorno por estresse pós-traumático.

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Quando eu tinha 16 anos, ia a um psiquiatra que tratava a minha depressão. Mas não era apenas depressão. Tive episódios de hipomania (quando adulto, tive episódios maníacos completos). Uma vez, ainda na época de escola, não dormi a noite toda trabalhando em um projeto de arte. Depois, saí correndo sem camiseta de uma reunião e bati contra uma parede. Minha energia estava fora de controle. Eu falava e falava e falava e não podia parar.

Um pouco depois, já mais calmo, fiz um teste psicológico de uma empresa farmacêutica. No final, descobri que havia uma suspeita de transtorno bipolar. Meu psiquiatra confirmou o diagnóstico. © Paige Lauren

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Percebi que algo estava errado quando comecei a explicar para o meu amigo que estava tomando Adderall (psicoestimulante usado no tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção, causado pelo aumento da atividade mental e da concentração) para não dormir durante à noite porque sentia que havia algo no meu quarto. Me lembro da expressão do meu amigo quando eu disse que uma espécie de ser me empurrava quando eu virava as costas para ele. Decidi procurar ajuda quando uma voz dentro de minha cabeça disse que eu tinha de cuidar do homem com uma corda atrás das minhas costas que queria me enforcar. © astupidsquirrel, transtorno esquizoafetivo.

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Percebi que tinha problemas quando entendi que a minha infância não tinha sido tão normal: o amigo imaginário que podia controlar o meu corpo não era um amigo imaginário normal. Ainda estou tentando encontrar um psiquiatra no meu país que nos dê o diagnóstico correto, mas o último com quem conversamos tinha certeza de que havia mais de uma personalidade em minha cabeça. © Celine Denca

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Quando eu tinha aproximadamente 13 anos, comecei a perder o interesse pelas coisas de que gostava. Meu melhor amigo percebeu que eu estava séria e não ria mais. Nessa mesma época, comecei a sentir constantemente cheiro de fumaça, embora ninguém mais sentisse. Fiz uma tomografia do cérebro e tudo parecia bem. Quando tinha 15 anos, minha depressão se intensificou e uma vez por dia eu escutava uma voz que dizia que eu deveria me suicidar. Meu estado de ânimo mudava rapidamente e eu dormia pouco.

Às vezes, quando as pessoas escutam sobre transtorno bipolar, pensam em gente má e violenta. Nunca fui má ou violenta, nunca gritei com ninguém e não culpei os outros pelos meus problemas. Escondi o meu estado de ânimo da melhor maneira que pude e fiz o possível para ser normal. Eu sabia que as alucinações (voz e cheiro) não eram normais, mas pensava que ninguém acreditaria no que eu estava sentindo. © Jennifer Belzile

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Minhas pernas começaram a tremer, eu soluçava e queria apenas que tudo parasse. Queria apenas dormir, não queria existir. Minha mãe tentou me consolar, mas eu não podia me acalmar. Sentia que meu corpo já não era meu, que eu não tinha controle sobre ele. Os tremores vinham em ondas e meu corpo tremia como uma casa durante um terremoto.

Foi o meu primeiro e único ataque de pânico. Há muito tempo queria explicar para a minha mãe o que estava acontecendo na minha vida, porque eu sempre estava nervosa e irritada. Mas eu estava assustada, não sabia como ela iria reagir, tinha medo de ser julgada. Imaginei que ela fosse pensar que eu estava mentindo, mas ela me escutou com calma e disse que eu deveria ir ao médico o mais rápido possível. © Marie Kuehler, síndrome do pânico (ansiedade paroxística episódica).

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Durante um ataque em um shopping cheio de gente, virei para um amigo e disse com toda a seriedade: “Se essa multidão não começar a se mover, vou empurrar essas garotas lá para baixo”. Estávamos no segundo andar e embaixo de nós havia um parquinho. Eu sabia disso, mas não me importava.

Só pensava em sair daquele lugar e as pessoas eram um obstáculo. Empurrar as mulheres era uma maneira eficiente de resolver o problema. Não me importava que elas fossem adolescentes e que a minha ação poderia matar as pessoas que estavam no andar de baixo. Quando pensei nisso, percebi que eu era um monstro. Sabia que tinha tido uma ideia louca de uma doente mental. Me odiei por isso e percebi que eu precisava de ajuda. © Erik Johnson, depressão clínica e ansiedade.

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Acho que eu entendi o meu problema quando percebi que queria estrangular o meu marido porque ele estava respirando forte demais a três cômodos de distância. Claro que não fiz isso, mas percebi que era hora de conversar com um médico. © Stacy Arguelles, transtorno bipolar.

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Acordei cedo, fui na academia e estava pronta para um novo dia de trabalho. Hoje, tudo vai ser diferente, eu posso mudar tudo. Nesse momento, olhei pela janela. Senti frio. Não podia ir ao trabalho. Não podia sair de casa. Tudo o que eu podia fazer era chorar e ficar deitada na cama para tentar esquecer essas emoções enquanto dormia. Então, percebi que estava caindo e que tudo estava fora de controle.

Eu tentava negar o que estava acontecendo, tentava me sentir uma pessoa normal. Ninguém sabia que eu estava deprimida e que tinha tendência suicida. Eu trabalhava, treinava e tinha passatempos, mas nada disso me salvava do vazio opressivo que me esmagava. As pequenas coisas iam se acumulando dia após dia: faltas no trabalho, mais café e menos comida, sempre em casa. © Brittney Nichole, depressão clínica.

Senti que estava mal quando percebi que estava perseguindo o meu terapeuta. Durante a nossa quarta sessão, contei sobre os meus problemas: “Muitas pessoas recorrem à religião em momentos assim. Você já pensou em ir a uma igreja?”

Senti um estalo dentro de mim. Cresci em uma família católica e não havia nada de ofensivo nas palavras dele, mas eu senti a ira crescendo dentro de mim: “Você está tentando me impor a sua crença? Você realmente precisa disso?”

Saí da consulta e voltei para a minha casa como se nada tivesse acontecido, ainda tremendo de raiva. Não dormi nas noites seguintes, planejando a minha vingança. Me lembro de tentar conseguir mais informações sobre ele enquanto andava de um lado para o outro do quarto. Até que tive uma grande ideia: conquistá-lo.

Eu tinha 24 anos. Era jovem, bonita. Eu iria seduzi-lo e ele enganaria sua esposa. Consegui o endereço dele e fui até a sua casa. Meu coração batia forte. Eu não tinha dormido, mas a minha mente estava clara, eu tinha apenas uma missão.

Não faria nada, só queria ver a família perfeita que eu tanto queria destruir. Eu estava a 1 km de distância quando a minha obsessão passou a se esvaziar. Fiquei sonolenta, cansada, faminta, fraca. De repente, senti vergonha de mim e voltei para a minha casa.

Depois disso, cancelei as próximas sessões com ele. Passei duas semanas em uma terrível depressão e marquei uma consulta com outro médico.

Moral da história? Procure ajuda antes de que o seu problema vá longe demais. © Anonymous, transtorno bipolar.

Você acha que as pessoas são capazes de identificar seus problemas psicológicos sozinhas? Compartilhe a sua opinião nos comentários.

Imagem de capa Julia Yeckley / Quora

Comentários

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Minha mãe tem tem esquizofrenia. Eu entendo e me comovo com os relatos.

O julgamento dos outros torna tudo mais pesado.

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Quando eu era criança, corri e conversei com a minha irmã, depois me dei conta que ela nunca esteve lá comigo, pois estava em outro lugar da casa. Sofro de insonia desde criança, mas somente percebi que posso ter um problema depois de adulta, e o pior anda não procurei ajuda.

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