Posso falar com você em nome de uma criança ’burra’?

Psicologia
há 1 ano

"Um menino de 5 anos. Em 2 malditas horas aprendeu a letra ’B’, então passamos para a ’C’ e, depois de meia hora, já se esqueceu da ’B’. É estupidez? Ou precisa ir ao médico?

Vejo essas mensagens nas redes sociais e as escuto no jardim de infância. E não posso simplesmente me calar. Não porque eu seja uma psicóloga infantil ou uma educadora experiente. Eu nem sou uma mãe experiente: meu filho não tem nem 2 anos! Mas tudo é bem mais simples do que parece. Eu mesma era essa ’criança boba’.

Meu nome é Asya Yavits, tenho um canal honesto e divertido no serviço de mensagens Telegram chamado “Dias de uma mãe ruim” e, especificamente para os leitores do Incrível.club, quero falar em nome de todas as crianças consideradas burras.

No final do primeiro ano, minha mãe foi chamada na escola “para uma conversa”. No dia anterior, cada criança trouxera seu livro preferido para discorrer a respeito. Uma menina trouxe O Pequeno Príncipe. Um aluno excepcional veio com Júlio Verne. E eu levei desenhos de fadas para colorir. Havia texto! Bem, algo do tipo: “Ela é a fada Flora”. Ou “Pinte a fada Fauna e a fada Flora. Que lindos vestidos elas têm”. Mas minha professora, por algum motivo, não gostou.

E não foi nada fácil para a minha mãe. Ela teve de parar de acreditar em suas fantásticas habilidades maternas como educadora. O que você poderia fazer, se tem um filho que coloca as peças de xadrez nos quadrados aos 8 meses, com um ano e 5 meses recita poemas e aos 2 anos já lê sozinho, mas sua filha seguinte só começa a andar aos 2 anos e, aos 5, usa as peças de xadrez e os livros como bonecas?

Com a Matemática, era ainda pior. Meu pai, no final do meu terceiro ano, tentou explicar durante 3 horas que, quando o número é transferido de uma parte da equação para outra, mudava de sinal. Mas sobrevivi a isso, embora meu cérebro não aceitasse essas explicações lógicas.

Eles me levaram a psicólogos, mostraram alguns cartões, me deram comprimidos. Eu não era apenas estúpida, mas também chupava o dedo até os 7 anos e brincava com meu umbigo. Os médicos prescreveram uma pilha de medicamentos. Um médico muito experiente, vendo uma dessas listas de medicamentos, disse que eram uma receita perfeita para “legumes com molho psiquiátrico”, seja lá o que isso signifique. Mas acrescentou que eu deixaria de usar as peças do xadrez como bonecas.

Por que eu digo tudo isso? É que tenho 2 diplomas e sou formada em Economia e Letras. Na 3.ª série, lia melhor do que todos os meus colegas de classe. Na 6.ª, obtive o 3.º lugar em testes de seletividade em Matemática entre os alunos da melhor escola. Devem ter sido os comprimidos... que eu despejava regularmente no lixo.

Como tudo aconteceu? Por si só. Quando chegou o momento certo, consegui me desenvolver. Bem, a leitura não veio sozinha. Mas meus pais nunca gritaram comigo ou me bateram.

Depois que minha mãe teve uma conversa na escola por causa do livro para colorir, decidiu não ouvir mais os psicólogos e, durante todo o verão, eu tive de ler todos os dias uma página de um livro infantil em voz alta.

Durante o outono, minha mãe leu vários livros para mim antes de dormir. Além de ler, ela também tinha um monte de assuntos ’sem importância’, como preparar o jantar, limpar a casa, se preparar para uma conferência no dia seguinte. Por isso, começou a ’não ter tempo’ de ler pra mim. E, claro, era difícil ir para a cama e deixar meu personagem favorito chorando sozinho em um parque escuro, sem saber o que ia acontecer depois! Portanto, tive de começar a ler sozinha.

Mas, então, mamãe arranjou tempo novamente para as ler as histórias. Só que, àquela altura, eu já era uma ótima leitora. Sem saber disso, ela lia para mim. Claro que eu não gostava muito de ouvir a história que havia acabado de ler, mas como confessaria para mamãe que tinha aprendido a ler?

Um dia, ela me encontrou fazendo essa coisa vergonhosa, mas não parou de ler em voz alta para mim, simplesmente foi para a página seguinte.

E com a Matemática foi ainda mais fácil. Na oitava série, tive uma ótima professora que não apenas explicava bem, mas era uma pessoa interessante e com vastos conhecimentos. No começo eu demorava 3 horas para fazer o dever de casa. Depois, sem perceber, entendi que já me virava bem na matéria. Foi ótimo.

Portanto, se você é pai de uma criança ’estúpida’, que não quer fazer seu cérebro funcionar, peço que a deixe em paz. Dê-lhe tempo. Muito tempo. Saiba qual é a sua motivação. Encontre um bom professor. Não alguém que apenas exija, mas alguém que torne o tema interessante para ela. Desta forma, a criança conseguirá superar as dificuldades e se desenvolver.

Livre-se daqueles estereótipos do tipo “com a sua idade, eu sabia muito mais”. Procure entender as motivações da criança e formas de criar novos estímulos. Pense em um problema como “Maria tinha 3 maçãs e Pedro deu a ela mais uma. Quantas ela tem agora?” Talvez seu filho se perca nas interpretações. Brinque com ele questionando, por exemplo: quem era Pedro ou, se ele tinha uma banca na feira uma plantação de maçãs para dar mais uma a Maria. Talvez, o problema de “quantos tem agora” não seja tão importante para ele. Mas, quando chegar a hora, ele começará a se perguntar sobre isso. Mas, se não se perguntar, também é possível ser feliz, certo?"

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Minha filha teve inúmeras dificuldades no final do ensino fundamental e início do Ensino médio. Porém, conseguiu passar sem a tão temida recuperação nos dois anos finais. Depois passou em primeiro lugar no curso, para Federal. Ela aprendeu a regular seu tempo de estudos, e se concentrar. Simplesmente não é fácil para todos, e precisamos aceitar isso sem sobrecarregar as crianças com nossa ansiedade. Eles já têm as deles...🥴

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