“Dei à luz para que me deixassem em paz” (um texto honesto sobre como viver sem o instinto materno)

Psicologia
há 2 anos

O amor materno é considerado algo incondicional e um aspecto inerente à personalidade feminina. Toda mulher deveria ter esse ’pacote básico’ dentro de si, independentemente de a maternidade ocorrer — e de quando ocorrer. Infelizmente, não foi o meu caso, e algumas mães não conseguem sentir nada especial em relação aos filhos. Mas, mesmo que essa seja uma situação da qual se fala pouco na nossa sociedade, é possível encontrar uma saída.

Meu nome é Marina, e estou pronta para contar aos leitores do Incrível.club algo que é embaraçoso de admitir até para a minha alma: minha filha tem 13 anos e o instinto materno nunca despertou. Acompanhe.

Nunca me senti atraída por bebês. Aos 7 anos, sempre sonhei em ter um cachorro, mas meus pais me ’deram’ duas irmãzinhas. Dava comida, trocava fraldas, passeava com elas em volta de casa com o carrinho de bebê. Tive de me tornar uma segunda mãe para minhas irmãs porque a mãe de verdade estava dividida entre o trabalho e a casa e eram tempos difíceis para a nossa família.

Aos 19 anos, me apaixonei perdidamente e me casei com um homem nove anos mais velho. Finalmente me libertei: caiaque, trilhas ou mergulho...nós dois topávamos qualquer aventura. Com cerca de três anos de casamento, meus sogros começaram perguntar: “Queremos netos! Quando eles vêm?” Por alguns anos, respondíamos que era muito cedo. Então, meu marido decidiu que era momento e ficou do lado deles, começou a me persuadir, prometeu me ajudar. Não estava pronta para a maternidade, mas desisti de lutar. Aos 26 anos, o teste de farmácia mostrou as famosas duas tirinhas.

Quando engravidei, meu marido brilhava de felicidade, os futuros avós correram para comprar roupas e brinquedos e eu me sentia como se tivesse caído em uma armadilha. Os primeiros dois meses de gravidez foram horríveis. Fui proibida de fazer qualquer atividade. Até amarrar o cabelo era um problema. Para piorar, tive um parto difícil.

Após 12 horas inesquecíveis de contrações e tentativas, colocaram um pequeno ’caroço vermelho’ sobre meu peito. Tinha certeza de que, naquele momento, me sentiria dominada pela ternura e pelo amor, mas apenas senti um alívio pelo fato de o parto ter finalmente acabado.

No dia seguinte, olhei para minha filha e não senti nada especial: apenas uma criança que precisava ser cuidada e alimentada. Fiz tudo que me foi exigido como mãe, mas havia um vazio dentro de mim. Nem tudo saiu conforme o planejado: meu instinto materno, de que tanto se fala, dormia profundamente como um urso em uma caverna.

Corri para estudar literatura sobre o assunto: carregava a bebê nos braços, conversava com ela desde os primeiros dias de sua vida e tentei, de todas as maneiras, criar aquele apego entre mãe e filha que deveria ser inato, mas por algum motivo não surgiu.

Entendi que o problema não era com minha filha, mas comigo. Passei a observar meu marido, meus sogros e outras mães e aprendi a ’replicar o amor’: abraçar com força, confortar sinceramente a criança, beijar na cabeça e dizer palavras gentis. No começo, foi meio estranho. Depois me acostumei. Não queria que minha filha tivesse o menor motivo para duvidar que era amada e adorada por sua família.

Só que aquilo se tornou um esforço diário. Minuto a minuto, tinha de identificar o que havia de bom nela para poder focar minha atenção naquilo. Falando sinceramente, tivemos sorte com nossa filha: ela é inteligente, bonita, temperamento fácil, nunca faz birra nas lojas. Ela se parece exatamente com meu marido e gosto disso.

Muitas vezes penso que tudo era muito diferente na minha infância. Minha mãe estava sempre exausta do trabalho em casa, eu e minhas irmãs não tínhamos tempo para receber abraços e a ternura dela. O amor se manifestava pelo fato de estarmos de barriga cheia e de termos o que vestir e calçar. Só que, de alguma forma, não tínhamos liberdade para falar sobre nossos sentimentos. Mas hoje em dia, na era dos psicólogos e das conversas sobre inteligência emocional, isso não é mais ’aceito’.

Como teria sido fácil pensar em mim como uma boa mãe apenas pelo fato da minha filha estar cheia de doces e brinquedos! Em algum momento da infância dela, chegou a hora de comprar casas de bonecas e princesas, que eu apenas sonhava em ter quando era criança. Brincávamos de vestir as bonecas com lindos vestidos, fazíamos penteados e organizávamos desfiles — talvez esse tenha sido um dos melhores momentos da infância da minha filha. E um dos meus momentos com ela também.

Agora ela está com 13 anos. Adolescência, processo de amadurecimento, primeiras espinhas. Se até os pais mais amorosos enfrentam dificuldades em lidar com adolescentes, imaginem eu. Há muitas coisas que me incomodam na minha filha: sua paixão por strass e lantejoulas, suas gírias, sua habilidade de tirar mais de 100.500 selfies por dia e os vídeos bobos que ela publica no TikTok.

Porém, entendo que isso está relacionado à idade, que vai passar e que essa reação negativa é apenas um reflexo dos meus problemas internos. Meu marido, por exemplo, gosta de tudo que minha filha gosta: ele está pronto para passar horas assistindo a vídeos no YouTube, ir a shows de artistas desconhecidos e ir ao cinema assistir a comédias americanas. Não interfiro em nada: um pai assim é o sonho de qualquer menina.

É mais fácil para o meu marido: ele queria ter filhos e eu dei à luz para que me deixassem em paz, mas ainda assim foi uma decisão minha. No fundo, tenho vergonha de ver minha filha e não poder dar a ela algo tão importante — aquele amor incondicional que ela merece, assim como qualquer outra criança. No entanto, apoio, atenção e gentileza posso dar sem ter de sentir qualquer frio na barriga. É apenas uma questão de educação e hábito.

Talvez, se eu tivesse amadurecido para ter uma maternidade desejada e consciente, e não tivesse sucumbido às persuasões do meu marido e de meus parentes, meu sentimento em relação à minha filha teria sido completamente diferente. Eu teria desmaiado de ternura ao olhar para ela e meu coração teria saltado do meu peito com cada “Mãe, te amo!” Mas está claro para mim que o tempo e esforço gastos imitando algo que não existe não têm sido em vão. Ela está crescendo e se tornando uma pessoa muito boa. Talvez, no futuro, nos tornemos amigas.

Em que momento você sentiu um amor incondicional pelo seu filho? Acredita que é um processo ou algo que surge já no primeiro contato após o parto? O que acha da pressão da sociedade sobre as mães terem de sentir um amor incondicional pelos filhos? Conte para nós na seção de comentários.

Imagem de capa Depositphotos.com

Comentários

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É triste pq as pessoas fazem da vida uma lista de mercado : ja vai faxer a faculdade? Ta namorando? Vai casar qdo? Quando chega o bebê? Vai dar um irmão pra ele? E os NETINHO? 😡

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Uma grande realidade eh país irresponsáveis que fazem dos filhos maiores verdadeiras babás do irmãos, criança tem que brincar e não ser babá dos irmãos em tempo integral

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Creio que minha mãe pensa assim, teve filhos aos 30 pq pressionaram e ela simplesmente não nos ama como eu amoro meu filho... e isso eh mais comum do que imagina

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QUE HISTÓRIA TRISTE ESSA VIU ESPERO QUE ELA MELHORE E AME A FILHA APESAR DE NÃO SER AMADA

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É por isso que não se pode acelerar o processo
Se essa mulher tivesse tido os filhos por vontade própria e sem pressão, ela teria convivido melhor com a maternidade
Pelo menos ela conseguiu lidar com isso

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