Por que abandonei um tratamento por transtorno bipolar e fugi de casa

Gente
há 4 anos

Olá, meu nome é Nika, tenho 21 anos. Há três anos, tive a seguinte conversa com meu terapeuta:

— Simplesmente não sei como parar de comer! E não consigo perder peso. Todo dia de manhã, corro igual a um maratonista, e à noite vou até geladeira para comer. Por isso, todos os meus esforços são um desperdício.

— Nenhuma maratona vai ajudá-la enquanto você está correndo dos seus pais.

Especialmente para o Incrível.club, escrevi um relato sobre meu relacionamento com a minha família tóxica. Quero crer que isso possa ajudar os pais a olharem de maneira diferente para o que está acontecendo em casa. Quem sabe assim, eles protejam seus filhos dos problemas e doenças com os quais tive de lidar. Ou, talvez, este texto ajude os filhos a fugirem se não houver solução.

Divórcio e nome de solteira

Tudo começou de uma forma típica e simples. Foram cinco anos de casamento infeliz de minha mãe, seus gritos e lágrimas no travesseiro. Bom, pelo menos foi o que minha avó me disse. É impossível que uma criança de três anos possa avaliar esse tipo de drama. Mas há um impacto enorme em nossa vida.

Então, vieram o divórcio de meus pais, uns dois anos de tentativas de minha mãe de encontrar um homem decente até que eu já tinha cinco anos e me encontrava relativamente preparada para chamar um desconhecido de pai. Não foi difícil, considerando o fato de que não me lembrava de meu pai de verdade. Sabe como é o período inicial de um relacionamento? Tudo lindo, os namorados aproveitando a companhia um do outro, o homem tentando cuidar de sua namorada de todas as maneiras possíveis. O amor e a harmonia estão no ar. Só que, de repente, surge a rotina e aquilo que você enxergava como a maior virtude de seu parceiro passa a te irritar. E assim foi a nossa relação com meu padrasto. O período de amor e carinho durou uns seis anos.

Imagem perfeita

Existem vários tipos de toxicidade dos pais. Alguns criticam os filhos pelos problemas que causam, outros vão além e preferem humilhá-los em público. Eu, no entanto, tive a “sorte” de ter um padrasto com outras características.

A vida seria mais tranquila se tudo terminasse com um sermão sobre a louça não lavada. Eu, inclusive, me preparava para punições por notas ruins que recebia na escola. Porém não era por aí. Fora de casa eu era uma espécie de troféu. A “filha de ouro”, exibida para os conhecidos com orgulho. A garota-prodígio. “Nossa Nika conquistou um diploma nas Olimpíadas” ou “Minha menina venceu mais uma competição vocal”. E especialmente: “Ela não tem nenhuma nota abaixo de 9”.

Essa “filha de ouro”, elogiada por todos os conhecidos do pai, recebia a admiração dos colegas da mãe e voltava para o quarto. Pode até parecer que estou exagerando nos problemas. O que há de ruim em ser obrigada a estudar, se tantas garotas também o são — e se estudar lhe garante um futuro melhor? Só que, no meu caso, havia algo de muito grave por trás do sucesso. Meu padrasto gostava de me ensinar com ajuda dos punhos. Me lembro de fazer a tarefa de casa com o braço deslocado por causa de uma surra. Isso aconteceu porque minha nota em uma prova foi 7. E a minha mãe? Ela nem se importava...

Falando nisso, nunca houve uma briga em público. Vivíamos como se fôssemos a família perfeita. Uma família daquelas de capas de catálogos de móveis ou de um pacote de cereais. Aqueles rostos sorridentes que, naturalmente, expressam harmonia e felicidade.

“Você é gorda! Emagreça!”

Além das notas e do que eu vou falar agora, havia muitas outras nuances. Controle total, manipulação de minha personalidade e gritos sem parar. Também havia comparações constantes com a filha de sangue mais nova. E havia muita humilhação.

Nunca fui uma criança gorda. Aliás, nunca fui nem um pouco gorda. Tudo mudou aos 15 anos, quando os hormônios do meu corpo decidiram viver suas próprias vidas. Os números na balança lentamente subiram e, opa, eu já estava com 61 quilos. Para uma altura de 1,72 m não parece ser nada grave. Mas não, especialmente quando você começa a ouvir: “meu Deus, como você ficou gorda! Vista outro roupão, mais justo, esse é muito ‘fofo’ para você”. Me falavam o tempo inteiro que eu nunca iria me casar, porque, afinal, “ninguém quer porcas. Entenda isso” (frase do meu amado padrasto).

Depois de ouvir coisas desse tipo mil vezes, minha autoestima despencou. Eu já não era aquela criança autoconfiante e comecei a fazer dietas que me causaram um transtorno alimentar. Nem preciso dizer como a bulimia é perigosa para uma criança, que, por definição, já é psicologicamente instável. Eu entrava na dieta e, em seguida, devorava pratos para, depois, voltar novamente à dieta. E não sabia que não se deve agir dessa forma.

Perder peso era impossível. Todos os escândalos, brigas e dietas atrás de dietas se transformaram em uma bomba em contagem regressiva. E um dia ela explodiu.

Percepção diédrica

Quando digo que a bomba explodiu, quero dizer transtorno afetivo bipolar. Isso é relativamente comum. Apenas uma doença mental aos 18 anos. Mas, quando você é obrigada a pedir ajuda a um psicoterapeuta e tomar antipsicóticos para controlar suas emoções, a coisa se torna mais séria.

Minha mãe realmente achava que eu estava usando drogas. Mas de que outra maneira eu poderia explicar a euforia sem nenhuma razão, as lágrimas sem razão e os momentos de choro no travesseiro, justamente quando tudo parecia estar bem? Briguei com a minha família porque era incapaz de conter minhas emoções. As brigas, por sua vez, levaram a desentendimentos ainda maiores. Esses, por sua vez, levaram a emoções ainda mais fortes. Era um círculo vicioso. É assustador lembrar do que eu era capaz quando estava em estado maníaco. E não é menos assustador perceber que existem crianças no mundo que também tiveram transtornos mentais por causa de pais tóxicos.

Como decidi fugir

Muitos problemas com os pais realmente podem ser resolvidos de uma maneira relativamente simples. É só uma questão de ir a um psicoterapeuta ou mesmo de ter uma conversa franca e aberta em casa. Mas não quando seus pais tentam transformá-la em uma pessoa “mais inteligente” e “mais bem-sucedida” batendo em você.

Um caso, especialmente, me marcou. Um dia, meu padrasto veio me pegar na escola. Mas ele não levou em conta que a saída da escola é um pouco complicada, com centenas de alunos deixando as classes ao mesmo tempo. Portanto, para me encontrar, bastaria um telefonema. Então, como não me encontrou, ele logo concluiu que eu estava matando aula. Em casa, depois de 15 minutos de conversa e várias tentativas de me fazer confessar algo que eu não tinha feito, me agarrou pela garganta.

A partir desse momento, tomei a decisão final. Mulheres que abandonam maridos tiranos são, em geral, aplaudidas. Pelo menos por pessoas sensatas. Mas com as crianças a situação é diferente. Elas não escolhem seus pais. Além disso, alguns acreditam que mãe e pai, não importa sua personalidade ou seu comportamento, são algo sagrado e por isso, não devem ser julgados. Mas é importante saber que viver em uma família que faz de sua vida um inferno não é normal.

Fuga e vida nova

O diálogo com o psicoterapeuta sobre meu exagero na alimentação se tornou o começo do fim. Isso me levou a uma conclusão simples: é impossível se livrar do excesso de peso, da bulimia ou “apagar as próprias emoções com remédios” se a causa do seu sofrimento está em sua casa.

Foi difícil, o que é bastante normal se você tem 18 anos e não tem aonde ir. Tive sorte porque tinha amigos em outra cidade. Arrumei as malas enquanto meus pais não estavam em casa e saí para nunca mais voltar. Tive de trabalhar como garçonete e orientadora em um acampamento de fim de semana. Não consegui entrar na faculdade até os 20 anos simplesmente porque não tinha dinheiro para isso. No início, tinha muito medo de sair de casa e sucumbir à tristeza e à solidão. Nesse sentido, meu trabalho (que ocupava todo o meu dia) ajudou.

Apesar de tudo, fugir dos meus pais tiranos foi a decisão mais correta que tomei na vida. As sessões de terapia me ajudaram a me aceitar e a me amar, mesmo nessa situação difícil. Também consegui emagrecer. E o mais importante: sou livre!

Agora

Vivi em Moscou três anos difíceis, mas felizes. Tive de enfrentar inúmeros problemas, troquei de emprego três vezes, já trabalhei como garçonete, copywriter e gerente de eventos. Ao longo desse tempo, economizei para poder mudar para outro país no futuro e esquecer o passado, como uma espécie de pesadelo que tive há alguns anos.

Hoje, após três anos, voltei à minha cidade natal. Não para me reconciliar com a minha família. Até hoje eu não tenho força nem coragem suficiente para falar com eles. Voltei apenas para pegar uns documentos antes de viajar para o país dos meus sonhos.

Como epílogo, meus conselhos para quem sofre com pais tóxicos

Levou tempo até eu aprender a me aceitar. Na verdade, continuo a aprender isso todos os dias. Viver com pais tóxicos me ajudou a ficar mais forte e a encontrar a mim mesma e meu caminho. Por isso peço que leia estas palavras com atenção: você, e só você é capaz de mudar sua situação. Se conversas com sua família não ajudarem, não tenha medo de abandoná-los. Há momentos em que sair é a melhor solução.

Comentários

Receber notificações
Sorte sua! Este tópico está vazio, o que significa que você poderá ser o primeiro a comentar. Vá em frente!

Artigos relacionados