“Ele nunca vai entrar em uma universidade” (como pais bem-intencionados podem destruir o talento do filho)

Curiosidades
há 4 anos

Quando algo não vai bem com nossos filhos adolescentes, infelizmente, nem sempre pensamos nas causas. Muitas vezes, preferimos dar um veredicto sem sequer analisarmos o problema: “Você não está se esforçando o suficiente!”, tendemos a dizer. Mas, se você está nessa situação, já parou para conversar com seu filho e simplesmente ouvi-lo? Se não, considere essa possibilidade. Afinal, o futuro do jovem pode depender disso.

A professora Iana Polianskikh, mentora da Olimpíada Internacional Júnior de Ciência e integrante da Associação Russa de Ciências, contou, no Facebook, uma história dramática de sua prática como professora, mostrando como pode ser importante acreditar nos jovens, mesmo quando parece que tudo está perdido.

Incrível.club acredita que o relato de Iana pode ajudar os pais a olharem para seus filhos com um olhar diferente e recuperar a esperança, mesmo nos momentos mais difíceis.

Tenha fé na criança. Em todos os momentos, em qualquer situação, aconteça o que acontecer, acredite em seu filho. Mesmo quando sentir que está prestes a desistir completamente... por favor, tenha fé.

Eu tive um caso terrível na minha prática como docente. Em um dia cinzento de março, uma mulher que tinha obtido o meu telefone em um site de ensino me ligou e, quase chorando, pediu para ajudar seu filho. Ele estava sendo reprovado em Matemática no último ano do ensino médio: tirou as piores notas, nada funcionava para fazê-lo estudar, não tinha feito uma única prova durante o ano, todos estavam em estado de choque, chorando e pedindo ajuda para que conseguisse tirar a nota mínima necessária para passar.

Um aluno para quem eu dava aula tinha acabado de entrar na universidade. Por isso, eu estava com um horário vago na agenda. Eu realmente não estava animada com a quantidade de notas ruins do jovem e, aparentemente, com sua falta de motivação, mas decidi aceitar.

Fui para a casa dele. A mãe, da porta, disse que ele não queria estudar, que eu tinha de descobrir como motivá-lo. Que roubada, disse a mim mesma. Último ano, março. Perfeito! Quase dei a volta e saí, mas não tive coragem e entrei.

Na frente da mesa estava sentado um adolescente magro e exausto, com olheiras enormes sob os olhos e um olhar cansado. Me apresentei e disse que tinha vindo ajudá-lo. Ele respondeu bruscamente que não precisava de ajuda.

Por que, perguntei, nós não disputamos um jogo de Matemática? O garoto franziu a testa para mim, mas não se recusou. Expliquei as regras, ele se interessou e até sorriu. Então, começamos a jogar. Um movimento genial, dois movimentos incríveis e ele me venceu de forma brilhante. Uau... eu nunca tinha perdido nesse jogo antes!

Era muito estranho. Não tinha sido uma vitória acidental, os movimentos pareciam ter sido pensados de forma extraordinária, usando o raciocínio lógico. E ele tirou notas ruins em Matemática?

Então, dividi meus pensamentos com ele e pedi para ver seus cadernos. O jovem estava incrivelmente envergonhado, parecia que realmente não queria me decepcionar. Mas foi em frente e os mostrou para mim.

Eu nunca vou me esquecer do que vi ali. Havia soluções completamente incomuns para os problemas padrão: métodos gráficos, derivadas de função, uso das propriedades das funções, equações com parâmetros, cálculos analíticos surpreendentemente simples e belos. E tudo riscado. Brutalmente riscado com vermelho. Algumas folhas haviam sido riscadas com tanta força que foram rasgadas. E as piores notas. Um monte de notas ruins combinadas com frases do tipo: “Em nossa escola, isso não foi feito assim!”

Liguei para a mãe dele e disse que o garoto era excelente em Matemática e que teria de cursar uma Faculdade de Ciências Exatas. Que teriam de parar de se preocupar com as notas escolares, que agora eu o ajudaria a chegar àquela infeliz “nota mínima necessária”. Mas o que eles precisavam fazer era estudar com base no formato do exame unificado estatal (adotado em nosso país, a Rússia) e solicitar uma bolsa de estudos. O garoto estava em choque. Ninguém havia dito nada nem de longe parecido com aquilo... ficou sentado ali, olhando para o caderno, como se tivesse sido enfeitiçado. E a mãe a responder: “sim, claro, e por que esse gênio tem notas tão ruins?”

Tentei explicar a ela que seus métodos de solução não seguiam o padrão mais adotado e que, talvez, o professor da escola simplesmente não os entendesse ou não quisesse aceitá-los. Por isso, as notas baixas. Mas a mãe se mostrou inflexível: “O menino é um burro. Não consegue fazer nada do jeito que deveria. Qual universidade? Nós já estamos procurando por um curso paralelo e não universitário, esperamos que pelo menos passe. Ajude-o com a nota mínima”.

Um caso difícil. Bem, eu disse, tudo bem. Concordei em ajudar com a pontuação mínima, mas comecei a lhe passar alguns problemas de provas de vestibular e da Olimpíada — a Olimpíada Internacional de Ciências, que assessoro e que exige bons conhecimentos de Matemática. Ele resolvia alguns mais rapidamente e mais genialmente do que eu, usando recursos estranhos que me faziam sorrir de admiração. O garoto perguntava: “estou realmente fazendo certo? Absolutamente bem?” Ninguém jamais tinha acreditado nele... Depois dessa aula, chorei no parque perto de sua casa, sem saber o que fazer e como convencer seus pais.

Um dia, o jovem fez um escândalo com seus pais. Ele disse que iria se matricular em uma universidade normal e que precisava de um professor particular de Física. Depois disso, a mãe me ligou e disse secamente que ele não queria mais que eu fosse à casa dele.

Mas, alguns dias depois, o garoto me ligou. E disse que, embora ainda não tivesse a quantia necessária para pagar por minhas aulas, estava disposto a me pagar o equivalente a 30 reais e o restante, me daria quando recebesse seu primeiro salário. Eu estava em choque. E disse sim.

Começamos a nos preparar para os testes da universidade. Contei a um amigo, que é professor de Física, sobre o garoto, e ele também concordou em ajudá-lo à distância: recomendou livros, passou lições de casa, revisou-as e as comentou. O garoto mal conseguiu a pontuação mínima necessária (nós o convencemos a responder da forma padrão, sem adotar seu estilo diferente de resposta). Mas acabou passando em Matemática com 99 pontos, na prova de Física, com 96, e conseguiu a bolsa com 100 pontos. Eles o aceitaram de braços abertos.

Hoje, ele está terminando o segundo ano da Faculdade de Ciências Exatas. Participa de concursos estudantis e dá palestras. Trabalha em uma grande empresa de tecnologia especializada em Internet. Como prometido, pagou a parte que devia tanto para mim quanto para o professor de Física, com uma porcentagem extra como agradecimento. Nos parabeniza em nossos aniversários e me envia flores.

Por que, afinal, decidi me lembrar dessa história e publicá-la? É que, anteontem, no dia da criança, a mãe dele me enviou a primeira e única mensagem de texto desde que havia dispensado meus serviços. Ela dizia apenas “obrigada”.

Imagem de capa Tu tutor / Marmot-film

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